Exatamente um ano após a morte de um dos ícones da televisão brasileira, o legado de Ney Latorraca volta aos holofotes, não apenas por seus trabalhos memoráveis, mas pelo desfecho de sua herança milionária. O ator, que faleceu em 26 de dezembro de 2024 aos 80 anos, vítima de sepse pulmonar decorrente de um câncer de próstata, deixou um testamento que surpreende pelo altruísmo e organização.

Neste ano, o cumprimento das vontades de Ney avançou na Justiça. O viúvo do ator, Edi Botelho, com quem Ney foi casado por 29 anos, atua como inventariante na 5ª Vara de Órfãos e Sucessões do Rio de Janeiro para garantir que a maior parte do patrimônio seja destinada a instituições de caridade, conforme o desejo expresso do artista ainda em vida.

A divisão da fortuna

Diferente de disputas familiares comuns no meio artístico, Ney Latorraca deixou tudo meticulosamente desenhado. Enquanto Edi Botelho herda bens móveis, automóvel, joias, objetos pessoais e linhas telefônicas, o “grosso” do patrimônio imobiliário e financeiro tem destino filantrópico.

Segundo informações do processo e declarações prévias do ator, os beneficiários incluem a ABBR (Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação), o Retiro dos Artistas, o Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS e instituições de combate à hanseníase.

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Em 2020, o próprio Ney explicou a lógica por trás de sua decisão financeira e detalhou os imóveis, revelando uma consciência de classe rara no meio:

“Eu adoro pagar uma conta em dia, é coisa de filho de gente pobre. Eu já fui bem pobre e só comecei a ganhar dinheiro mesmo nos anos 80, com a peça Irma Vap. Sou um privilegiado, sei disso. Mas trabalhei muito. Tenho quatro apartamentos – um em São Paulo, pertinho do prédio do FHC; este aqui da Lagoa, mais um no Jardim Botânico, e outro na Rua Rainha Elisabeth, em Copacabana. Botei no meu testamento que vou doar os quatro. Um vai para a ABBR, o outro para o Retiro dos Artistas. Os outros dois, um fica para o Grupo de Apoio às Crianças com AIDS, de Santos, e mais um para um grupo dedicado às vítimas da hanseníase. Está tudo no meu testamento. Fiz questão”, disse ele à Veja.

Ney Latorraca – Globo O detalhamento dos bens doados

O processo confirma a distribuição geográfica e institucional da herança:

  • Grupo de Apoio à Prevenção à AIDS (Baixada Santista): Três apartamentos em São Paulo.
  • Leprosário Campo Grande (MS): Um apartamento no Rio de Janeiro e cotas da empresa Latorraca Produções Artísticas Ltda.
  • ABBR: Uma casa em Miguel Pereira (RJ) e um apartamento em Copacabana.
  • Retiro dos Artistas: Conta poupança e fundos de investimentos.

Vida reclusa

Nos últimos anos de vida, Ney Latorraca adotou um estilo ‘low profile’. Longe das grandes festas que frequentava no auge da carreira, o ator encontrou prazer na tranquilidade de sua cobertura na Zona Sul do Rio, ao lado do marido. A mudança de comportamento gerava curiosidade, mas Ney tratava o assunto com a franqueza habitual.

Em entrevista ao Gshow em julho de 2024, meses antes de falecer, ele rebateu comentários sobre seu isolamento:

“As pessoas falam que estou muito retraído, dentro de casa. Já fui arroz de festa. Eu gosto de estar na minha casa. Sou muito sincero. A pessoa convida, eu digo que não posso ir. E quando perguntam por que não vou, digo simplesmente: ‘Porque não quero’”.

De Vamp à eternidade

Ney Latorraca estreou na Globo em 1975 e manteve um contrato vitalício com a emissora, uma exceção em tempos de vínculos por obra. Deu vida a personagens antológicos como o vampiro Vlad (Vamp), Barbosa (TV Pirata) e o playboy Felipe (Escalada).

No entanto, a motivação para acumular seu patrimônio e garantir seu legado veio de uma infância difícil. Ao Memória Globo, o ator deixou uma reflexão que resume sua trajetória de superação:

“Ator já nasce ator. Aprendi desde pequeno que precisava representar para sobreviver. Sempre fui uma criança diferente das outras: às vezes, eu tinha que dormir cedo porque não havia o que comer em casa. Então, até hoje, para mim, estou no lucro”.

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