Um Dia Ainda Mais Doido é a sequela, que esperou 22 anos para acontecer, de Um Dia de Doidos, uma daquelas “comédias de conceito”, de conceito mirabolante, que por essa altura eram o principal alimento da veia cómica dos estúdios de Hollywood.

Nesse primeiro filme, Jamie Lee Curtis e Lindsay Lohan eram a mãe e a filha adolescente, sempre às turras, que por artes mágicas trocavam de corpo e, portanto, de vida, durante o tempo suficiente para que, experimentando literalmente o “lugar do outro” (ou da outra, neste caso), as respectivas capacidades de empatia e entendimento mútuo chegassem a um ponto de pacificação. Agora, Jamie Lee Curtis é a avó, Lohan é a mãe solteira em vésperas de casar, Julia Butters é a filha e Sophia Hammons é a futura enteada. Ninguém se entende, especialmente as duas mais novas (que se detestam), e, portanto, aí vem a maldição outra vez para dar uma lição a todas.

A partir do primeiro terço do filme (que gere com cuidado a chegada do seu “acontecimento”) entramos então nesse caos multiplicado — por quatro agora, em vez de só por dois — um quarteto de personagens que trocam de corpo e de actrizes que trocam de personagens. De modo até um pouco surpreendente, descobrimo-nos embalados pela artimanha, divertidos com a espécie de burlesco subtil (não é contradição) com que as actrizes se modulam e remodelam (em especial, Jamie Lee Curtis, numa adolescente em corpo de avó, parece divertir-se como há muito não se divertia, e ser ao mesmo tempo tudo aquilo que uma adolescente imagina, ou receia, que uma sexagenária seja).


Nunca cai no “vale tudo”, o caos mantém uma certa lógica e sobretudo uma certa direcção: trata-se, no fundo, de abordar a “guerra geracional” que pelos vistos se trava hoje na sociedade americana (e que se adivinha um pouco através da Internet), uma obsessão com o sectarismo etário (os boomers, a Gen X, a Gen Z, etc.) que o filme evoca para criticar — como critica a própria “cultura da net”, aquela propensão para o moralismo (olha como ela se veste, olha a diferença de idades, olha não sei quê) que é capaz de transformar meio mundo, inclusivamente o dito “progressista”, num exército de costureirinhas maledicentes (Lindsay Lohan, que co-produz o filme com Curtis, foi, de certo modo, uma vítima disso, adivinha-se o que há aqui de empreendimento pessoal ou “autoral”).

Quem tem de aprender a lição são as duas adolescentes cheias de certezas agressivas e muito autocentramento, uma aprendizagem da solidariedade feminina que não precisa de hostilizar meio mundo para se afirmar (é um filme sem “maus”, nem os homens o são, bons tipos ainda que um ou outro meio apatetado), e que faz o filme corresponder, inapelavelmente, à posição das duas mulheres mais velhas (é o seu moralismo: geracional, mas “ecuménico”).

Suficientemente inteligente e divertido para cumprir bem a moribunda função de “filme de Verão”: aqui é que está um autêntico quarteto fantástico.


Freakier Friday

De Nisha Ganatra

Com Jamie Lee Curtis, Lindsay Lohan, Julia Butters, Sophia Hammons