Morre Arlindo Cruz, compositor que redefiniu o samba, aos 66 anos; relembre trajetória

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Sambista foi um dos criadores do Cacique de Ramos e compôs quase 700 músicas. Crédito: Júlia Pereira/Estadão

Se é possível dizer – e é – que Zeca Pagodinho seja o maior sambista da história, Arlindo Cruz terá sido o mais influente. Foi. Também o mais completo. Compositor, músico e cantor – com identidades muito próprias em cada um dos ofícios. Quase meio século de atividade – sempre em altíssimo nível – em prol de um gênero cuja forma urbana é recém-centenária.

Atividade que o coloca num lugar talvez exclusivo: é impossível – não importa o lugar do mundo – que uma roda de samba não toque ao menos uma música de Arlindo. E isso, atenção, considerados os últimos – pelo menos – quarenta anos. Há pelo menos quarenta anos não há roda de samba que não cante Arlindo Cruz.

Músicas de Arlindo Cruz embalam rodas de samba há 40 anos Foto: Alexandre Virgilio/Estadão

Compositor brilhante, mestre em todas as modalidades do samba, do de partido-alto ao de enredo, foi dos primeiros a compreender a importância dos grupos de pagode que ascenderiam a partir da década de 1990 e a lhes fornecer canções – o que equivaleria à chancela de grife, o compositor favorito de Beth Carvalho, para uma rapaziada cujas inovações incomodavam. Compreendeu que aquela molecada era fruto do que ele e os seus, então as jovens novidades, haviam criado a partir do fundo de quintal do Cacique de Ramos, na virada dos anos 1970 para os 1980.

Como compositor, Arlindo estará entre os poucos – Wilson Batista, Monarco, Ivone Lara, Beto Sem-Braço, Almir Guineto – cuja autoria se identifica, pela imposição do estilo, aos primeiros acordes. Estilo inconfundível também nos sambas-enredo que criaria para a escola de samba que amou e viveu e pela qual foi homenageado, enredo em 2023: o Império Serrano, de Silas de Oliveira.

A influência de Arlindo Cruz sobre o samba como o conhecemos hoje passa decisivamente pela popularização do banjo – do banjo percussivo conforme introduzido, desde o morro do Salgueiro, por Almir Guineto. Se Guineto é o apresentador do banjo adaptado, com braço de cavaquinho, Arlindo será o seu aperfeiçoador e maior difusor, criador de maneira única de tocar – pegada que se pode ouvir em centenas de gravações. Pegada que, assim como as suas canções, o ouvinte identifica às primeiras palhetadas.

O banjo do Arlindo. O tantã do Sereno. O repique de mão do Ubirany. Aquele modo mais leve de tocar, desplugado, acústico, com a mão no couro em vez de baqueta, seria responsável pela multiplicação das rodas de samba Brasil adentro, mundo afora.

Como compositor, Arlindo Cruz era reconhecido por seu estilo inconfundível Foto: Marcos de Paula/Estadão

Vocalista na formação mais famosa do Fundo de Quintal, solista ou em dupla com o parceiro Sombrinha, a sua voz pequena, com aquela doce rouquidão inconfundível, só se imporia como a de um cantor referencial – que encheria shows e faria a cabeça da geração que chegava ao samba a partir dos anos 2000 – no que seria já, miseravelmente, o fim de sua carreira. Tempo suficiente para que produzisse um dos mais importantes discos da história do samba, daqueles de se levar para a ilha deserta: O Sambista Perfeito, em que gravou o clássico Meu Lugar, sobre Madureira.

O lugar da arte de Arlindo Cruz, sambista completo, é onde o samba estiver.