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A inteligência artificial (IA) criou no mundo empresarial um mercado de transferências que faz lembrar os valores praticados nas contratações de futebol. Quando Matt Deitke, um jovem investigador de 24 anos que abandonou um doutoramento em ciência da computação para fundar uma startup de IA, recebeu a primeira proposta de Mark Zuckerberg para se juntar à Meta, o valor rondava os 125 milhões de dólares ao longo de quatro anos. Não foi suficiente. O jovem rejeitou a oferta.
Zuckerberg não desistiu. Depois de uma reunião pessoal, a Meta voltou à carga com uma nova proposta: 250 milhões de dólares em quatro anos, com a possibilidade de receber 100 milhões só no primeiro ano. Desta vez, Deitke aceitou.
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Este caso mostra a competição pelo talento que se instalou em Silicon Valley desde que a OpenAI lançou o ChatGPT no final de 2022. As empresas de IA descobriram que um pequeno grupo de investigadores pode fazer a diferença entre liderar ou ficar para trás numa corrida tecnológica que vale biliões.
A escassez de talento
O número de pessoas capazes de trabalhar nos sistemas de IA mais avançados é limitado. Dependendo da fonte, pode variar entre algumas dezenas e cerca de mil indivíduos em todo o mundo, segundo a Reuters. Estes profissionais têm conhecimento técnico especializado e experiência com sistemas que exigem enormes recursos computacionais, disponíveis apenas numa mão-cheia de empresas.
Sam Altman, CEO da OpenAI, resumiu esta realidade numa publicação no Twitter em 2023: “Claro que engenheiros 10x são fixes, mas caramba, esses engenheiros/investigadores 10,000x…”. A referência alude à crença de que os melhores engenheiros de software são 10 vezes melhores que a média, mas na IA, os melhores investigadores podem ser 10 mil vezes mais eficazes.
A escassez de talento forçou as empresas a adoptar estratégias criativas de recrutamento. A Meta criou até uma lista com os nomes das mentes que considera mais brilhantes no mundo da IA, segundo o The New York Times. Os critérios incluem um doutoramento numa área relacionada com IA, experiência num laboratório de topo e contribuições para descobertas importantes.
A corrida aos milhões
Os pacotes de compensação atingiram níveis estratosféricos. A Google DeepMind oferece pacotes anuais de 20 milhões de dólares aos melhores investigadores, enquanto na OpenAI, os investigadores de topo recebem regularmente mais de 10 milhões por ano, de acordo com a Reuters. A empresa ofereceu ainda um bónus de retenção de 2 milhões de dólares, além de stock options no valor de de 20 milhões ou mais, para evitar que os seus funcionários fossem trabalhar para a Safe Superintelligence, a nova empresa de Ilya Sutskever, antigo cientista-chefe e cofundador da OpenAI.
Como se chega ao número de 520 mil milhões de euros?
- Os programas da UE apoiaram startups europeias com 12 mil milhões de euros.
- As startups que foram alvo desse investimento angariaram adicionalmente 70 mil milhões de euros em capital de risco.
- Nestas rondas de investimento, as startups visadas conseguiram uma avaliação total de mercado de cerca de 520 mil milhões de euros.
- Este valor representa 10% de todas as startups apoiadas por capital de risco na Europa.
A Meta tem sido particularmente agressiva. Altman revelou que a empresa de Zuckerberg fez “ofertas gigantes a muitas pessoas da nossa equipa”, algumas totalizando “100 milhões de dólares em bónus de contratação e mais que isso em compensação anual”, segundo a Fortune.
Para contextualizar estes valores, os melhores engenheiros das grandes empresas tecnológicas recebem em média um salário de 281 mil dólares, segundo a Comprehensive.io, uma empresa que acompanha a remuneração na indústria tecnológica.
O método Zuckerberg
O CEO da Meta adotou uma abordagem pessoal ao recrutamento. Zuckerberg envia mensagens por email e WhatsApp a centenas de investigadores, cientistas e engenheiros. Alguns ficaram tão surpreendidos que não acreditaram que fosse realmente ele, segundo o The Wall Street Journal.
A estratégia inclui refeições nas suas casas em Palo Alto e Lake Tahoe, e Zuckerberg mantém-se envolvido em todo o processo de recrutamento, até ao planeamento da localização das secretárias dos novos colaboradores. A empresa promete também algo potencialmente mais atrativo que dinheiro: poder computacional. Alguns potenciais contratados foram informados de que teriam à disposição 30 mil GPUs para a sua investigação em IA. Os GPUs são chips especializados, originalmente concebidos para gráficos, mas ideais para executar os cálculos complexos que alimentam os sistemas de inteligência artificial.
As consequências do boom
Esta corrida ao talento tem custos. A OpenAI mudou a sua estrutura de compensação para responder ao mercado e pede aos funcionários abordados por concorrentes que consultem os executivos antes de aceitar ofertas imediatamente.
O fenómeno criou também dinâmicas semelhantes ao desporto profissional. Alguns investigadores criaram grupos de chat no Slack e Discord para discutir ofertas e pedir conselhos aos colegas de profissão. Quando alguém consegue uma proposta, partilha os detalhes e pede opiniões sobre que empresas abordar para construir o seu preço.
Para as empresas, a matemática é simples: mesmo que as ofertas pareçam absurdas, se os novos contratados ajudarem a aumentar a receita em meio por cento numa empresa que vale cerca de dois biliões de dólares, o investimento compensa.