Em meados do mês passado, o Governo espanhol e a gigante tecnológica chinesa Huawei chegaram a um acordo que poderá revelar-se problemático. Foi o jornal espanhol The Objective (TO) que lançou, no passado dia 7 de julho, a informação: «O Ministério do Interior adjudicou contratos no valor de 12,3 milhões de euros à multinacional chinesa Huawei para a gestão do armazenamento das escutas telefónicas judiciais». O contrato pode ler-se ainda no primeiro parágrafo da notícia, «prevê a custódia digital do resultado das intercetações ordenadas por juízes e procuradores e enquadra-se nos processos habituais geridos pela Direção-Geral de Racionalização e Centralização da Contratação».
«O sistema utilizado é o OceanStor 6800 V5, uma linha de servidores de armazenamento de alto desempenho desenvolvida pela Huawei. Este equipamento serve de suporte para conservar e classificar as comunicações legalmente intercetadas pelas forças de segurança do Estado, em conformidade com as Diretrizes de Segurança TIC elaboradas pelo Centro Criptológico Nacional (CCN-STIC) e os requisitos do Esquema Nacional de Segurança. A adjudicação foi processada de acordo com os procedimentos públicos estabelecidos e pode ser consultada na Plataforma de Contratação do Estado», explicou ainda o TO.
À primeira vista, pode parecer apenas um contrato entre uma entidade governamental e uma gigante multinacional de tecnologia. Mas o assunto é mais complexo que isso. Trata-se de uma esfera intimamente ligada com a segurança nacional, e é precisamente isso que tem causa celeuma não só entre a oposição do governo de Pedro Sánchez e de algumas forças de autoridade espanholas, mas também dos aliados ocidentais em Washington e Bruxelas.
Por exemplo, e também de acordo com o TO, «existe um mal-estar crescente em setores da Polícia Nacional e da Guarda Civil devido à continuidade da Huawei como fornecedora de sistemas sensíveis para as forças policiais e o CNI», isto porque «consideram [que o acordo é] uma incongruência estratégica em matéria de segurança, uma vez que se tenta extremar a precaução com programas estrangeiros, mas esses dados são confiados a uma empresa ligada ao Partido Comunista Chinês».
De Washington veio um aviso: «A Espanha está a brincar com o fogo ao colocar em risco a sua segurança nacional e a segurança dos seus cidadãos. Ao aproveitar um agente conhecido do PCC para recolher e armazenar quantidades insuperáveis de dados sensíveis, a Espanha tornou-se vulnerável a ameaças claras à segurança e soberania não só de si mesma, mas também dos seus aliados em todo o mundo.», pode ler-se no comunicado oficial proferido por Rick Crawford, Presidente da Comissão Permanente de Inteligência da Câmara dos Representantes norte-americana.
De Bruxelas, a reprimenda chegou a Madrid por parte de Bart Groothuis, eurodeputado neerlandês e ex-alto funcionário de segurança cibernética do Ministério da Defesa dos Países Baixos. A Espanha está «a cometer um grande erro», disse Groothuis, citado pelo Politico. «Não existem medidas de mitigação de riscos de cibersegurança em vigor para combater a ameaça de cidadãos chineses entrarem em instalações de armazenamento e dados», continuou, acrescentando ainda que «[a] Espanha está agora dependente do país com o maior e mais sofisticado programa de espionagem ofensiva dirigido contra nós».
O tema, como foi mencionado, tem já cerca de um mês e foi abordado pelos maiores órgãos de comunicação social europeus. Porém, foi a decisão do Partido Popular (PP) em levar o caso para debate no Congresso dos Deputados que catapultou o assunto para outros níveis de mediatismo. Segundo o jornal espanhol El Mundo, «[o] PP vai usar a sua maioria no Congresso para que o secretário de Estado das Telecomunicações e Infraestruturas Digitais, Antonio Hernando, compareça em relação aos contratos (…) assinados entre o Governo de Espanha e a Huawei». Isto porque «Hernando participou na criação da referida empresa especializada em assuntos públicos e trabalhou nela durante o intervalo da sua vida política, entre 2017 e 2021, quando voltou a integrar o núcleo próximo do presidente como assessor no seu gabinete na Moncloa». «Os populares querem que ele explique “quais medidas está a tomar para evitar o conflito de interesses existente entre a sua atividade passada como lobista a favor da empresa chinesa», acrescenta ainda a notícia do diário espanhol.
Assim, parece que as polémicas em torno do governo de Pedro Sánchez, cada vez mais fragilizado, se continuam a acumular.
A resolução do conflito entre a Rússia e a Ucrânia revelou-se mais complexa que aquilo que o Presidente norte-americano, Donald Trump, certamente esperaria. O republicano adotou o fim do conflito em 24 horas como uma das principais bandeiras da sua campanha eleitoral, garantindo que, para que tal acontecesse, bastaria sentar os dois intervenientes – Volodymyr Zelensky e Vladimir Putin – à mesa. Ao fim de pouco mais de seis meses, o encontro ainda não aconteceu, mesmo que a Casa Branca e até Kiev se tenham esforçado para que a reunião de alto nível acontecesse.
À medida que a segunda presidência Trump foi avançando, o que foi caracterizado como uma política de apaziguamento de Washington em relação a Moscovo – numa aproximação que foi evidente -, a paciência do Presidente dos EUA foi-se esgotando à medida que Putin fugia das negociações e intensificava os bombardeamentos às cidades ucranianas.
A paciência acabou por se esgotar de vez quando Trump lançou um ultimato a Vladimir Putin há cerca de duas semanas. O ultimato – que previa «tarifas muito severas» impostas pelos EUA à Rússia caso esta última não colocasse um ponto final na guerra – acabaria hoje. Segundo o repórter da Time Nik Popli, «[a]inda não está claro se Putin concordará com o ultimato de Trump ou se o Kremlin considera a ameaça de sanções credível o suficiente para forçar uma mudança significativa na sua campanha militar. Putin pode oferecer um cessar-fogo parcial que envolva a suspensão dos ataques com mísseis e drones que a Rússia intensificou contra cidades ucranianas nos últimos meses – atingindo apartamentos, maternidades, transportes civis e um parque infantil -, mas tal cessar-fogo parcial não impediria a Rússia de avançar no leste da Ucrânia, onde conquistou cerca de 900 milhas quadradas desde dezembro, de acordo com dados do think tank Institute for the Study of War».
Ainda assim, com o resultado do ultimato ainda em aberto, e segundo a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, «[o]s russos manifestaram o desejo de se reunir com o presidente Trump, e o presidente está aberto a se reunir tanto com o presidente Putin quanto com o presidente Zelensky». Este anúncio foi feito na sequência do encontro do enviado especial de Trump, Steve Witkoff, com o líder russo.
A confirmação de um encontro cara a cara com Putin foi avançada ontem pelo Kremlin, quando o seu porta-voz, Yuri Ushakov, disse que «[p]or sugestão do lado americano, foi alcançado um acordo para a realização de uma reunião bilateral do mais alto nível nos próximos dias, isto é, um encontro entre o presidente Vladimir Putin e Donald Trump». E Volodymyr Zelensky?
O Presidente ucraniano tem demonstrado ao longo dos últimos meses o desejo de se reunir com Putin, um apelo que ainda não foi atendido. Nem parece estar para breve. Witkoff levantou o tema da reunião a três na sua visita a Moscovo, mas, de acordo com Ushakov, citado pela RTP, essa proposta não mereceu comentários da parte russa: «Propomos, antes de mais, concentrarmo-nos na preparação de uma reunião bilateral com Trump e acreditamos que o principal é que esta reunião seja bem-sucedida e produtiva».
Por seu lado, Zelensky disse que a Ucrânia «não tem medo das reuniões e espera a mesma abordagem ousada do lado russo. É tempo de acabar com a guerra». O líder ucraniano sublinhou ainda que a Europa, marginalizada há largos meses do processo de negociações de paz, deveria ter uma palavra a dizer: «A guerra está a acontecer na Europa, e a Ucrânia é parte integrante da Europa […]. A Europa deve, por isso, participar no processo», disse, citado pela RTP.
Mas, como avançou o Observador, Trump «só se encontrará com […] Putin, se o líder russo também se reunir com Volodymyr Zelensky».
Por isto, a reunião cara a cara entre Putin e Trump – a primeira entre um presidente americano e o presidente russo desde o início da invasão – ainda não está confirmada, ficando a depender da decisão russa de concordar ou não em participar numa reunião de alto nível com a Ucrânia.