Associada à perda de proteínas, patologia pode ser identificada por ‘espuma’ no xixi e desaparece após os 8 anos em 85% dos casos
Entrevista|Raphael Hakime, do R7
RESUMO DA NOTÍCIA
Produzido pela Ri7a – a Inteligência Artificial do R7
Síndrome nefrótica, da qual sofre a filha de 3 anos de Junior Lima e Monica Benini, tem cura Reprodução/Instagram @junior_oficial e @monicabenini
A síndrome nefrótica, que acomete a filha do cantor Junior Lima e da influenciadora Monica Benini, é mais comum em meninos, mais frequente em crianças de 2 a 6 anos e quase nunca tem uma causa definida. Por isso, a atenção dos pais aos detalhes é valiosa para o médico fechar o diagnóstico.
As informações são da chefe da nefrologia do Sabará Hospital Infantil, professora de Pediatria e chefe do Setor de Nefrologia Pediátrica da EPM (Escola Paulista de Medicina) da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e membro do departamento de nefrologia da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), Dra. Maria Cristina Andrade.
Em entrevista ao R7, a pediatra especialista em nefrologia explica que a observação do xixi, inchaços frequentes e até marquinhas de elástico da roupa na pele da criança são pontos de atenção para identificar a síndrome nefrótica. A melhor notícia: a doença tem cura e desaparece a partir dos 8 anos em 85% dos casos. Mas requer tratamento.
Síndrome nefrótica: leia a entrevista completa
R7 – O que é a síndrome nefrótica?
Dra. Maria Cristina Andrade – A síndrome nefrótica é uma doença que afeta os rins. A criança passa a perder proteína na urina. Perdendo proteína, a urina muda de característica e se torna espumosa. O que a criança perde? A proteína é albumina. A albumina é clara de ovo. Então, se os pais notarem que a urina da criança cria espuma, é uma característica.
Se a criança fizer xixi num recipiente, por exemplo, ele agitar, ele vai notar que tá espumado, como se estivesse batendo a clara de um ovo, porque o que perde é albumina. O que faz o líquido ficar dentro do vaso sanguíneo é a proteína, que dá uma pressão. Então, diminuindo a quantidade de proteína no sangue, o líquido extravasa. Então no começo a criança acorda assim, com os olhinhos inchados.
R7 – Os pais podem confundir esse inchaço dos olhos com outra doença?
Dra. Maria Cristina Andrade – Muitas vezes, os pais acham que é uma alergia no começo, porque a criança acorda com os olhinhos inchados e, como esse esse inchaço depende da gravidade, no final do dia, vai mais para o abdômen, vai mais para barriguinha, vai mais para os pés e desaparece dos olhinhos.
No outro dia, a criança acorda de novo com os olhos inchados e, conforme perde proteína, diminui cada vez mais a quantidade de proteína no sangue e a criança fica cada vez mais inchada. Até um ponto que ela fica toda inchadinha, nos olhos, nos abdômen, nos pés… já não cabe mais o calçado, as roupas ficam apertadas. E aí os pais notam que a criança tá inchada.
R7 – A síndrome nefrótica ocorre mais em um determinado sexo? E em qual idade se manifesta?
Dra. Maria Cristina – É uma doença que dá mais em meninos do que em meninas. A característica mais comum é dar entre 2 aos 6 anos de idade.
R7 – No caso de crianças mais novas, com menos de 2 anos de idade, como os pais podem identificar?
Dra. Maria Cristina – Pelo inchaço. A mais comum é síndrome nefrótica por lesão mínima, que é que atinge os rins. Ela é idiopática, ou seja, que não tem causa. Então dá dos 2 aos 6. Pode ser antes dos de 2 anos? Pode. Assim como como pode ocorrer em crianças mais velhas.
A criança pode ter uma crise, o que a gente chama de descompensação. Pode ter uma crise do durante a vida, pode ter duas, pode ter dez durante esse período.
R7 – Como é o tratamento? Tem cura?
Dra. Maria Cristina – O tratamento é sempre corticoide, como a primeira linha. Então a gente dá corticoide, desinflama o rim, para de perder proteína e fica bem. Algumas crianças não respondem ao corticoide, aí você tem que dar outro imunossupressor.
Você pode ir ampliando, intensificando a linha de tratamento. Mas assim, depois dessa fase dos 6 anos costuma desaparecer.
Agora, quando é, antes, com crianças novinhas, por exemplo, 1 aninho, costuma ser mais grave. Quando é com uma criança mais velha, por exemplo, com 12 anos, não por lesão mínima, outro tipo de síndrome nefrótica, aí a gente tem que fazer uma biópsia.
R7 – Existem outros sintomas além da alergia e do inchaço do corpo com que os pais devem ficar atentos?
Dra. Maria Cristina – Sim, a criança vai ficando mais quietinha, mais cansada. A mãe nota uma palidez cutânea. Ela não fica anêmica, mas o rostinho fica mais pálido. Então, no começo, antes dela inchar bastante, os sintomas são muito inespecíficos. Por isso que se confunde com uma alergia.
A síndrome nefrótica normalmente é desencadeada por um processo infeccioso. Por exemplo, se a criança tem um quadro gripal ou uma sinusite, desencadeia síndrome. No início, quando é feito o diagnóstico pela primeira vez, às vezes se retarda um pouco [o diagnóstico]. Causa um pouquinho de confusão. Até a criança ficar inchada, passam-se alguns dias.
Então a criança vai no pediatra, é uma gripe. Vai no outro pediatra e fica até você chegar ao diagnóstico. Não que isso esteja errado, é que às vezes é difícil o diagnóstico inicial. É muito mais comum a criança estar gripada ou está com quadro infeccioso de vias aéreas superiores, do que ter a síndrome nefrótica. Esse é o motivo pelo qual os pais já ficam mais atentos porque já vão fazer o diagnóstico.
R7 – No caso da filha do Júnior, o medicamento começou a fazer efeito…
Dra. Maria Cristina – No caso da filha do Júnior, provavelmente é uma síndrome nefrótica por lesão mínima. Porque é uma criança, dentro daquela faixa etária, responde a corticoide, deve ter uma boa evolução.
Agora, síndrome nefrótica pode aparecer, por exemplo, no período neonatal [quando o bebê nasce], normalmente decorrente de uma doença infectocontagiosa, mais comum no caso de sífilis.
Se uma criança tivesse 12 anos, 13 anos com síndrome nefrótica, a gente tem que fazer vários exames, várias sorologias para ele ver se não é uma hepatite B e outras doenças que podem se manifestar com uma síndrome nefrótica. Estamos falando de de outro espectro da doença.
Mas o mais comum, em 85% das vezes, é a síndrome nefrótica por lesão mínima, que é idiopática [sem causa] e atinge mais meninos que meninas e a característica básica é perder proteína.
(Maria Cristina Andrade, chefe da nefrologia do Sabará Hospital Infantil)
R7 – Quanto ao tratamento, como pode evoluir o quadro da criança?
Dra. Maria Cristina – Quando ela tem a síndrome nefrótica por lesão mínima, mais comum em crianças, felizmente, o paciente não evolui para uma doença renal crônica. Não causa hipertensão arterial. O tratamento de primeira linha é com o corticoide, com alguns meses de terapia.
No começo, uma dose alta, imunossupressora, que vai deixar a criança mais sensível a infecções. Por si só, quem tem síndrome nefrótica é mais sensível a infecções. Então, você tem uma conjuntura de fatores: você tem uma doença que já causa imunossupressão naturalmente agregada a imunossupressão do da corticoterapia.
[O paciente] fica alguns meses com o tratamento. A partir de 8 anos, a doença desaparece como se nada houvesse. Então, a criança fica bem.
(Maria Cristina Andrade, chefe da nefrologia do Sabará Hospital Infantil)
Quanto mais cedo a criança tem [a síndrome], com 1 ano, 1 ano e meio, normalmente tem mais descompensações do que uma criança que começa com os sintomas da síndrome com uns 3 anos, 4 anos.
R7 – A senhora falou em alguns meses de tratamento… imaginando uma criança de 2 anos, chega a 1 ano tomando medicamentos?
Dra. Maria Cristina – Não, não chega a 1 ano. Normalmente, a gente faz assim: dose de terapia cheia de imunossupressão por 4 semanas. Depois, a gente começa uma redução: 4 semanas de dias alternados e vem fazendo uma redução em torno de 20% da dose. Não chega 1 ano, mas são alguns meses de tratamento.
R7 – E quanto à cura?
Dra. Maria Cristina – Sim, desaparece, cura. Normalmente, depois dos 8 anos, é como se nada houvesse. Por isso que a gente chama de idiopática.
Tem outras causas, como doença genética. Quando aparece uma criança com síndrome nefrótica, a gente tem que investigar familiares porque pode ser hereditária. Aí tem outras complicações.
Se a criança começa a evoluir com hipertensão ou perda de função renal, com hematúria, às vezes o prognóstico não é tão bom. Aí, tem que ampliar a linha. Tem criança que vai para transplante. Aí, começam as complicações, mas não é o habitual.
R7 — Uma criança de 2 anos só vai se curar depois dos 8 anos obrigatoriamente?
Dra. Maria Cristina – Não. Tem criança que tem uma crise, mas a gente não sabe. Tem criança que pegou um quadro gripal e descompensa tudo de novo. Aí tem outra recidiva. Por isso que a gente evita que a criança com síndrome nefrótica fique em contato com outras crianças doentes, principalmente na fase de imunossupressão. A gente já sabe que eles lidam mal com infecção. Tem que tomar alguns cuidados.
R7 – Quais cuidados?
Dra. Maria Cristina – As crianças têm que ser vacinadas com vacina de gripe, vacina para pneumocócica… elas são mais sensíveis a infecções. Durante a corticoterapia, por exemplo, não podem tomar vacina de vírus vivo atenuado. Senão, pode desenvolver a doença.
Aí, a família também tem que usar máscaras, porque, se pegar uma infecção, a criança volta à estaca zero.
R7 – A criança que tem a síndrome nefrótica está sujeita a fazer hemodiálise?
Dra. Maria Cristina – Pode. Não por lesão mínima síndrome, que tem cura. Lembrando que são 85% das crianças que têm a doença.
Quando não responde ao tratamento inicial ou tem recidivas frequentes, a gente diz que ela é córtico-resistente. Quer dizer que ela não respondeu ao corticóide. Às vezes, você diminui a dose do remédio, tem recidiva de novo, volta a descompensar. Aí a gente tem que fazer a biópsia para saber exatamente o tipo, para ter uma ideia de como vai evoluir.
As crianças que não são não do tipo lesão mínima podem evoluir para diálise, para transplante e pode recidivar no transplante.
R7 – A síndrome nefrótica atinge quantas crianças por ano no Brasil?
Dra. Maria Cristina – No Brasil, a doença afeta duas crianças a cada 100 mil por ano. Não é muito comum. Por isso que, quando chega uma criança inchadinha, com o olho inchado, no pronto-socorro, e não tem histórico, na primeira vez, não se pensa em síndrome nefrótica.
A não ser que os pais tenham notado queda no volume urinário, notaram a roupa apertada. Começa a ter marca de elástico, a meinha ficou apertada… A criança engordou de repente, sem comer. A criança está meio doentinha, engordou… não engordou. Ela inchou. Isso é sinal de alerta.
R7 — Quais as complicações da síndrome nefrótica?
Dra. Maria Cristina — Se não tratar, a criança vai perdendo cada vez mais proteína. Vai inchando cada vez mais. É como se ela tivesse desidratada porque tem menos sangue circulante. É como se o sangue ficasse mais concentrado. […] A parte líquida do sangue infiltra a pele, infiltra pulmão. A criança pode ficar com derrame pleural, fica com o abdômen bem globoso, o fato de sangue estar mais viscoso, facilita a trombose. Indo menos sangue aos rins, pode entrar num certo grau de insuficiência renal.
Em algumas crianças, a insuficiência renal pode ser tão grave que precisa de dialisar para conseguir tratar de maneira adequada. […] Às vezes, recebemos crianças muito graves. Não é o habitual.