O que acontece atualmente é que, tirando o item pessoal que cabe debaixo do assento, as companhias entendem que são livres de cobrar o que quiserem pela restante bagagem, seja de cabine ou porão. Ou de não cobrar de todo. Nas companhias tradicionais, como a TAP, por exemplo, a bagagem de mão gratuita inclui um trolley. O que deixará de acontecer se a proposta aprovada em Bruxelas for a do Conselho, avisa Sérgio Humberto.
Já nas chamadas low cost, como a Ryanair ou a Easyjet, o trolley também começou por ser gratuito, mas nos últimos anos todas as companhias passaram a cobrar. E os preços variam de acordo com o destino. A Easyjet, por exemplo, começou esta cobrança em 2021, com o objetivo de “melhorar o embarque e a pontualidade”. A companhia de baixo custo anuncia no seu site que uma mala de cabine grande custa “a partir de 7,99 euros”. Nos testes feitos pelo Observador, não foi possível encontrar este preço. Acrescentar uma mala de cabine grande a uma viagem para Madrid em novembro, por exemplo, custa 30,24 euros por cada voo. Se a viagem for para Nice, o preço sobe para 33,74 euros por voo. E para Milão aumenta para 37,24 euros.
Na Ryanair, os valores ficam um pouco abaixo. Mas também mudam não só de acordo com o destino mas também entre a ida e o regresso. Ir para Madrid em novembro e acrescentar uma mala de cabine grande custa 15 euros na ida e 12,5 euros no regresso. Numa viagem para Marselha, a mala fica por 17 euros na ida e 18 na volta. E para Milão o preço é de 18,5 euros por cada voo.
“A bagagem é uma extensão da viagem. Nestas companhias, os consumidores têm custos que estão escondidos no meio de uma tarifa que ninguém sabe qual é”, sublinha Miguel Quintas, presidente da Associação Nacional das Agências de Viagens (ANAV), que se tem batido por uma maior transparência nas regras sobre as bagagens. “Nem as companhias estão de acordo sobre as dimensões dos trolleys que cobram. Vai uma confusão na cabeça do consumidor final, que não sabe se vai ou não ser cobrado nem em quanto. Há companhias que cobram um valor, outras cobram outro, outras não cobram nada, nem as dimensões estão devidamente estabelecidas”.
Para o responsável, “esta opacidade” nos preços “convém muito às low cost“. “Nas contas da Ryanair, tudo o que é serviços adicionais, os chamados ‘ancillary revenues‘ (ou receitas acessórias), que incluem as malas, representa quase um terço dos resultados”, exemplifica. Nos resultados mais recentes da companhia irlandesa, relativos ao ano fiscal de 2025, a Ryanair reporta “receitas acessórias” de 1,3 mil milhões de euros até junho de 2024 (um crescimento de 10% em relação ao período homólogo), face a receitas operacionais totais de 3,6 mil milhões.
“O Conselho da Europa diz que assim [com as malas pagas] as companhias vão aumentar a sua qualidade, que vão ter mais rentabilidade e que, por isso, vão prestar um melhor serviço. Nós não concordamos absolutamente nada com isso. Vamos bater-nos de forma firme para que a mala de cabine continue a ser gratuita”, garante o eurodeputado do PSD.
“Se o lobby das companhias não funcionar, quem vai ganhar é o Parlamento e a mobilização em torno do consumidor”, acrescenta Miguel Quintas.
O “lobby das companhias” também tem contribuído para o ruído em torno do tema. No início de julho, embalado pela decisão do Conselho, o grupo de lobby Airlines for Europe (A4E) comunicou que as suas associadas (que representam mais de 80% do tráfego aéreo europeu e incluem TAP, Ryanair, Easyjet, Lufthansa, Air France, British Airways, Iberia, etc.), “começaram a aplicar as dimensões garantidas de 40x30x15 para as malas de cabine normalmente colocadas debaixo do assento da frente — o item pessoal — acordadas pelos Estados-membros no mês passado”. Este processo deverá estar concluído “até ao final da época de verão de 2025”.
“Esta decisão é apenas sobre as medidas deste pequeno item pessoal, ao contrário de várias informações publicadas, não foi tomada nenhuma decisão sobre uma segunda peça de bagagem gratuita na cabine”, esclarece Sérgio Humberto.
Na mesma nota, a lobista da aviação sublinhava que as companhias “vão continuar a permitir items pessoais de maiores dimensões, como já é o caso hoje de muitas companhias da A4E”. Entre as companhias que operam em Portugal, é o caso de todas. Até das principais low cost. A Ryanair era a única companhia que até ao início desta semana não cumpria estes requisitos que deverão passar a ser mínimos para o primeiro item de bagagem pessoal. Mas alterou, entretanto, as dimensões da bagagem de mão incluída no bilhete para “caber” na exigência, passando de 40x25x20 para 40x30x20.