Apesar dos ecos da polifonia modernista de William Faulkner, Santo de Casa, de Stefano Volp, é um livro sobre uma contemporaneidade tão pós-moderna a ponto de questionarmos quem é a voz – ou de quem são as vozes – a narrar o romance.
Dono de uma escrita sofisticada, o autor capixaba questiona a masculinidade e o papel da paternidade num mundo no qual os afetos estão cada vez mais truncados.
A casa, cenário central da trama, é um espaço de encontros e desencontros, e de acertos com o passado.
“toda casa é feita de personalidades. tire toda a família e os pertences da casa e se verá que ainda assim ela fala respira dorme acorda e esconde segredos”, escreve o narrador para descrever o momento no qual os filhos e a filha voltam à antiga casa da família para o enterro do pai, devorado por uma onça.
Os tais segredos da casa são os segredos dessa família. O passado, tanto o remoto quanto o recente, é descortinado a cada capítulo, sempre narrado por um dos filhos – aquele cuja capacidade cognitiva o torna capaz de, supostamente, compreender em profundidade a mãe, o irmão e a irmã.
SANTO DE CASA. Stefano Volp. Record (192 págs. 69,90 reais)
As muitas tramas de Santo de Casa ora se complementam, ora são dissonantes, mas sempre nos dão pistas do que essa narrativa fragmentada – marcada por traumas, desavenças e tentativas de reconciliação – esconde.
O peso do patriarcado recai sobre todos, ainda que de formas distintas. Embora a esposa, agora viúva, e a filha sofram mais, também os dois filhos passaram por opressões e silenciamentos que os transformaram no que são agora.
A casa é o abrigo disso tudo, um esconderijo do mundo no qual as aparências são marcadas pela perfeição.
Se “santo de casa não faz milagre”, as personagens do romance estão fadadas a viver vidas distintas dentro e fora de casa, à espera de um milagre.
A morte do patriarca, de forma tão violenta, poderá expurgar as angústias e aflições dessas vidas que ficam? Não há respostas fáceis para esse dilema. O livro todo gira em torno dessa questão.
Escritor, roteirista e tradutor, Volp já havia chamado atenção com a coletânea de contos Homens (Não) Choram (2022), e agora, com este novo romance, confirma o frescor e o vigor de sua prosa. •
Publicado na edição n° 1372 de CartaCapital, em 30 de julho de 2025.
Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Os segredos sob o teto de uma casa’