As forças armadas de Israel afirmaram ter alvejado e morto Anas Al Sharif, alegando que o jornalista liderava uma célula do Hamas e estava envolvido em ataques com mísseis contra Israel.
A Al Jazeera rejeitou a alegação e, antes da sua morte, Al Sharif também havia rejeitado alegações anteriores de Israel de que teria ligações com o Hamas.
Al Sharif, de 28 anos, estava entre um grupo de quatro jornalistas da Al Jazeera e um assistente que morreram num ataque a uma tenda perto do Hospital Shifa, na parte oriental da cidade de Gaza, segundo autoridades da Faixa de Gaza e o canal televisivo sediado no Catar. Um funcionário do hospital disse que outras duas pessoas também foram mortas no ataque.
Descrevendo Al Sharif como “um dos jornalistas mais corajosos de Gaza”, a Al Jazeera afirmou que o ataque foi uma “tentativa desesperada de silenciar vozes em antecipação à ocupação de Gaza”. Os outros jornalistas mortos foram Mohammed Qreiqeh, Ibrahim Zaher e Mohammed Noufal.
Al Sharif fazia parte de uma equipa da Reuters que, em 2024, ganhou o Prémio Pulitzer na categoria de Fotografia de Notícias de Última Hora pela cobertura da guerra entre Israel e o Hamas.
O Governo de Israel não permite a entrada dos órgãos internacionais da comunicação social em Gaza.
As forças israelitas afirmaram num comunicado que Al Sharif era o líder de uma célula do Hamas e “era responsável por promover ataques com mísseis contra civis israelitas e tropas das Forças de Defesa de Israel (IDF)”, citando informações dos serviços secretos e documentos encontrados em Gaza como prova.
Em outubro de 2024, as Forças de Defesa de Israel nomearam Al Sharif como um dos seis jornalistas de Gaza que alegavam ser membros do Hamas e da Jihad Islâmica Palestina, citando documentos que, segundo Telavive, mostravam listas de pessoas que concluíram cursos de formação e salários.
O primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu afirmou no domingo que lançaria uma nova ofensiva para desmantelar os bastiões do Hamas em Gaza, onde uma crise de fome está a agravar-se após 22 meses de guerra. Para o canal televisivo sediado no Catar, “Anas Al Sharif e os seus colegas estavam entre as últimas vozes restantes em Gaza a transmitir a trágica realidade ao mundo”.
Jornalistas condenam assassinatos
Um grupo de liberdade de imprensa e um especialista das Nações Unidas alertaram anteriormente que a vida de Al Sharif estava em perigo devido às suas reportagens a partir de Gaza. A relatora especial da ONU, Irene Khan, tinha afirmado no mês passado que as alegações de Israel contra ele eram infundadas.Em outubro, quando Al Sharif foi acusado de pertencer ao Hamas, a Al Jazeera
“rejeitou categoricamente a caracterização dos nossos jornalistas como
terroristas pelas forças de ocupação israelitas e denuncia o uso de
provas forjadas”.
O Comité para a Proteção dos Jornalistas, que em julho instou a comunidade internacional a proteger Al Sharif, afirmou num comunicado que Israel não apresentou quaisquer provas para sustentar as suas alegações contra ele.
“O padrão de Israel de rotular jornalistas como militantes sem fornecer provas credíveis levanta sérias questões sobre a sua intenção e respeito pela liberdade de imprensa”, afirmou Sara Qudah, diretora do CPJ para o Médio Oriente e Norte de África.
Também o Conselho de Relações Americano-Islâmicas (CAIR) condenou o assassinato de cinco jornalistas da Al Jazeera por Israel e apelou aos profissionais da comunicação social dos EUA e internacionais para que se “solidarizem” com os seus colegas palestinianos.
“A campanha contínua de assassinatos seletivos de jornalistas palestinianos por parte de Israel é um crime de guerra, puro e simples”, afirmou o diretor executivo nacional do CAIR, Nihad Awad, em comunicado.
Para Awad, “o assassinato destes jornalistas da Al Jazeera não é um acidente ou um dano colateral — faz parte de uma política consistente e documentada de silenciar as vozes da comunicação social e esconder a verdade sobre o genocídio que Israel está a cometer em Gaza”.
O movimento palestino Hamas, que controla Gaza, disse que o assassinato pode sinalizar o início de uma ofensiva israelita.
“O assassinato de jornalistas e a intimidação daqueles que permanecem abre caminho para um grande crime que a ocupação planeia cometer na cidade de Gaza”, escreveu o Hamas num comunicado.O gabinete de comunicação social do governo de Gaza,
controlado pelo Hamas, afirmou que 237 jornalistas foram mortos desde o
início do conflito, a 7 de outubro de 2023. O Comité para a Proteção dos
Jornalistas afirmou que pelo menos 186 jornalistas foram mortos no
conflito de Gaza, o mais mortal já registado para os profissionais da
comunicação social.
Ken Roth, ex-diretor da Human Rights Watch, afirmou à Al Jazeera que o assassinato de Al Sharif foi uma tentativa de Israel direcionada de silenciar a cobertura das suas “atrocidades”.
“Este não é um assassinato acidental. Este não é um jornalista que por acaso foi apanhado no bombardeamento doutrinado de Israel contra civis palestinianos em geral. Este foi um assassinato direcionado”, disse Roth à Al Jazeera.
Para Roth as “acusações infundadas e unilaterais” de Israel de que Al Sharif liderava uma unidade do Hamas “são inúteis”.
“E quando se junta isso ao padrão de assédio contra ele, aos esforços para silenciá-lo, fica claro o que está a acontecer”, acrescentou Roth.
Segundo ex-diretor da Human Rights Watch, “a razão pela qual o jornalismo é tão importante é que é uma das formas de responsabilizar o governo israelita pelas atrocidades em massa cometidas em Gaza. Se ninguém souber, é mais fácil para Israel escapar impune. Essa é a lógica desprezível por trás dos esforços para silenciar e matar jornalistas”.
Horas antes de as forças israelitas matarem a equipa da Al Jazeera na cidade de Gaza, o enviado da Palestina à ONU, Riyad Mansour, falou no Conselho de Segurança, instando-o a levar jornalistas a Gaza para ver o que está a acontecer lá.
“Porque o Conselho de Segurança não leva consigo 100 jornalistas dos seus países e de outros países para verificar exatamente o que está a acontecer em Gaza?”, questionou Mansour numa rara sessão de fim de semana do órgão da ONU.
“Se Netanyahu está tão certo dessa conspiração global sobre uma mentira, que prove. Ele deve permitir que vão à Faixa de Gaza e vejam exatamente o que está a acontecer lá. Levem jornalistas convosco para que possam verificar exatamente o que está a acontecer em Gaza”, acrescentou Mansour.
Netanyahu também deu uma conferência de imprensa no domingo, alegando que tinha dado permissão para alguns jornalistas estrangeiros entrarem na Faixa de Gaza, embora tenha dito que “há um problema em garantir a segurança”.
Também a Freedom of the Press Foundation condenou o assassinato de cinco trabalhadores da Al Jazeera por Israel, apelando a uma ação internacional para impedir novos ataques aos meios de comunicação social.
“Todos aqueles que ficaram indignados com as recentes imagens horríveis de fome e sofrimento em Gaza precisam de reconhecer que não veriam essas imagens e não saberiam das atrocidades que os seus governos financiam se não fosse pelo risco que os jornalistas correm com as suas vidas”, afirmou Seth Stern, diretor da organização sem fins lucrativos sediada em Nova Iorque, em comunicado.
“É exatamente por isso que Israel os está a alvejar e a matar, violando o direito internacional. Agora, talvez mais do que em qualquer outro momento desde o início dos assassinatos, o mundo compreende como o trabalho destes jornalistas é vital”, acrescenta o documento.
Para Seth Stern, “os apelos para que os assassinatos cessem devem ser mais veementes do que nunca, e não podemos permitir que os nossos líderes se limitem a expressar preocupação ou a fazer condenações performativas enquanto o dinheiro e as armas que Israel usa para exterminar jornalistas e outros civis continuam a fluir”.
A mensagem de despedida
Al Sharif, cuja conta no X tinha mais de 500 mil seguidores, publicou na plataforma minutos antes da sua morte que Israel estava a bombardear intensamente a cidade de Gaza há mais de duas horas.
Em abril, Al Sharif tinha deixado uma mensagem nas redes sociais para ser publicada em caso de sua morte, que dizia: “… nunca hesitei em transmitir a verdade como ela é, sem distorção ou deturpação, esperando que Deus testemunhasse aqueles que permaneceram em silêncio”.
This is my will and my final message. If these words reach you, know that Israel has succeeded in killing me and silencing my voice. First, peace be upon you and Allah’s mercy and blessings.Allah knows I gave every effort and all my strength to be a support and a voice for my…
— أنس الشريف Anas Al-Sharif (@AnasAlSharif0) August 10, 2025
Na mensagem, Al Sharif deixa algumas palavras para o filho, para a mãe e para a mulher e apela para que “não se esqueça Gaza” nem a “Palestina – a joia da coroa do mundo muçulmano, o coração de todas as pessoas livres do mundo”.