Quando o Governo anunciou as novas medidas para a habitação, como a isenção de IMT e a garantia ao crédito, definiu um limite para quem podia aceder: 35 anos. De fora ficou uma geração que tem sido das mais penalizadas pelas sucessivas crises. Começaram a vida profissional nos tempos da troika. Agora, por mais que tentem, não conseguem ter o suficiente – nem sequer a estabilidade – para ter a própria casa. E arrendar tem sido uma autêntica montanha-russa de emoções
Nelson Vassalo, 39 anos, designer e programador, Lisboa
Nelson prepara-se para voltar a emigrar. Nova Iorque é o destino. Pode parecer contraditório que vá para uma das cidades mais caras do mundo quando se queixa dos valores em Lisboa. Tem tudo a ver com a proporção: com o peso que a renda leva do salário.
“Vivi muitos anos no estrangeiro. Arrendar era uma solução de segurança, uma alternativa financeiramente razoável. Nunca paguei mais do que 25% do meu salário em renda. Em Portugal arrisco-me a pagar 50 ou 60%”.
Nelson vive numa casa arrendada com a mulher, “com contrato a termo”. Paga 950 euros. Nos últimos anos foi obrigado a mudar-se três vezes. “Até consigo pagar a renda, mas é a imprevisibilidade. Quero ter uma família e não posso estar refém deste mercado. A renda aumenta todos os anos”.
Comprar casa, para Nelson, nunca foi um objetivo. Viveu com os pais numa casa arrendada, não tinham qualquer propriedade. Mesmo assim, quando o Governo de Luís Montenegro anunciou as medidas para habitação, limitadas aos jovens até aos 35 anos, a sensação não deixou de ser desagradável.
“Tenho sentimentos conflituantes. Não tenho sequer a certeza de que a isenção até aos 35 anos seja uma boa medida, quando é feita isoladamente”. Nelson acredita que medidas como estas não travam a “procura especulativa” nem um “crescente movimento de expatriados com muito dinheiro que inflacionam o preço das casas”.
“Ganho acima da média, mas, para a minha geração, se não formos herdeiros, é impossível”. A verdade é que Nelson não recebe ajuda dos pais. Pelo contrário, é ele – e o irmão, que vamos conhecer a seguir – quem tem de ajudar a mãe a pagar a renda. A única solução que encontraram custava mais do que a pensão. “Ela era arrendatária, o contrato cessou aos 65 anos e não renovaram o contrato. A renda duplicou de um dia para o outro”.
Nelson é o responsável por uma aplicação que permite mapear o património devoluto em Lisboa – e que gerou a fúria dos proprietários, que ameaçaram com um processo em tribunal. “Somos ameaçados todos os dias nas redes sociais”.
Até agora, já conseguiram identificar cerca de “3.650 casas vazias, que davam para alojar quase 15 mil pessoas”. E é por números como estes que Nelson defende que “razoável” seria taxar mais os devolutos. “O limite na habitação em Portugal é o céu. Está sempre a aumentar. Isto resolvia-se com vontade política, que não há. O imobiliário tornou-se um negócio demasiado grande”.
Nelson diz já não encontrar condições para continuar a viver em Lisboa (Martin Zwick/Getty Images)
Mariana Resende, 43 anos, investigadora, Porto
A vida de Mariana e da família – o marido e duas filhas gémeas – mudou. “Estávamos, desde 2012, a arrendar um T2 a 450 euros. Sabíamos que estávamos numa situação em que ninguém estava. Foi então que a senhoria quis a casa de volta”.
O desafio de encontrar uma casa nova, sabendo ser inevitável ter de pagar mais, começava. Para Mariana, acentuado pela situação de desemprego, numa vida dedicada à ciência onde a precariedade é certeza.
“Tivemos sorte”. A família vive hoje numa casa alugada, integrada num programa de renda acessível da Câmara Municipal do Porto. “De acessível tem pouco, que pago 900 euros de renda por um T3”. Mas se tivesse de jogar com as regras do mercado tinham sido impossível. As opções que viu, para a mesma tipologia, começavam nos 1.500 euros.
“Durante os meses em que estive à procura de casa, estava em pânico. Os preços são inacreditáveis”.
Enquanto investigadora, entre bolsas e contratos a termo, comprar casa sempre pareceu um plano impossível. “Nem para comprar carro dava, quanto mais casa. Há uma geração, que é a minha, que nunca conseguiu comprar casa. Porque os preços aumentaram bastante e por falta de estabilidade profissional”. Do lado do marido, o andar a saltar entre empregos também nunca deixou colocar essa opção no horizonte.
Mariana conta que tem colegas, acima dos 30 anos, que “tiveram de sair de casa porque as rendas aumentaram imenso”. A única opção que tiveram foi “ir para quartos a 700, 800 euros, quando ganham 1.200”.
Quando se pergunta por medidas que podiam fazer a diferença para resolver esta crise na habitação, Mariana demora algum tempo até encontrar respostas. “Não sei até que ponto é que o Governo consegue controlar o preço da habitação para compra, mas para o arrendamento consegue, com mais programas de renda acessível”.
Mariana viu a renda duplicar, mesmo acedendo ao arrendamento acessível (DR)
Henrique Vassalo, 37 anos, engenheiro informático, Lisboa
Henrique é o irmão mais novo de Nelson. Vive há três anos numa casa com renda condicionada, abrangido por um programa da Câmara Municipal de Lisboa. Paga 400 euros em Entrecampos. “Foi mesmo uma sorte”. Restam dois anos de contrato, que é renovável.
“Se tivesse de pagar mais, tinha uma vida muito difícil. Mais 200 ou 300 euros fazem toda a diferença na vida de uma pessoa”.
Ao contrário do irmão, Henrique gostava mesmo de comprar uma casa. Contudo, as dificuldades em juntar dinheiro ao final do mês tornam esse sonho algo distante. Quando percebeu que estava excluído da isenção de IMT e da garantia pública no crédito à habitação, a sensação foi amarga.
“A nossa geração já teve de enfrentar duas crises. E ainda somos confrontados com isto. Torna tudo mais difícil. Mesmo com os preços exorbitantes das casas, ter acesso a este programa podia ter feito diferença”.
Apesar de tudo, Henrique ainda pondera ser proprietário. Não quer que lhe aconteça o mesmo que à mãe, que, ao chegar à reforma, se viu obrigada a mudar de casa e a receber a ajuda dos filhos para pagar uma renda de 600 euros na Moita.
“É uma coisa que ainda pondero. O meu maior receio está na duração dos créditos depois dos 40. Como encurta o tempo máximo do crédito, a taxa de esforço é muito maior. Se calhar, quando chegar à altura de ter o dinheiro necessário para investir, provavelmente, vou ter de reconsiderar. Acho que antes dos 45 não vou conseguir pagar uma casa. Os preços estão sempre a subir”.
Para Henrique, “mais grave” do que não conseguir comprar casa é “a falta de alternativas para arrendar”. Dá exemplos do “absurdo” que é existir apartamentos T1 acima dos 1.200 euros em Lisboa. “Impedem logo que alguém possa viver sozinho. Obrigam-nos a partilhar casa, a viver em família, mesmo quando isso não é um objetivo. Conheço pessoas que estão separadas, mas que vivem na mesma casa porque não têm outra alternativa”.
Henrique deixa duas sugestões para quem manda: alargar a isenção de IMT até aos 40 anos – “isto tem de ir a par e passo com a idade da reforma e a esperança média de vida” – e colocar no mercado “as casas que estão abandonadas”. “Têm de parar de dizer aos cidadãos que não há oferta”.
Henrique gostava de comprar casa, mas subida dos preços tira-lhe a esperança (DR)
Nuno Lopes, 35 anos, operador de laboratório de fotografia, Lisboa
Nuno ouve o tiquetaque todos os dias a ressoar-lhe na cabeça. Tem 35 anos, feitos em março. Ainda lhe restam uns meses para estar abrangido pelas medidas para a habitação que o Governo lançou para os jovens. Ter uma casa própria, repete, seria uma “paz de espírito”.
“Mas, do que vejo de valores de casas, seria impossível. Não tenho margem para o fazer. Mesmo com as medidas, é tudo muito caro. É mesmo uma corrida contra o tempo. Tenho visto pessoas que estão no limite, sem posses para o fazer, a endividarem-se para conseguir fazer a compra antes dos 35 anos”.
Nuno não avança nessa direção por ter consciência de que é “um pouco sortudo”: tem um contrato com uma renda “abaixo do preço de mercado”, é inquilino da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
“O preço é abaixo do valor de mercado, mas representa praticamente metade do meu salário. Pelos valores de mercado é que seria impossível para mim arrendar, mesmo gastando o meu salário todo. Tenho amigos que vivem em quartos, a pagar praticamente o mesmo que pago pela casa. Tenho um contrato com possibilidade de renovação. É uma paz de espírito, mas estou sempre à mercê dessa renovação”.
Para este jovem, natural de Faro, que como tantos outros foi para Lisboa para estudar e por lá ficou, o justo seria o Governo aplicar estas isenções “de uma forma transversal”. A crise na habitação, diz, não para aos 35 anos. É para todas as idades.
“Não serão muitas as pessoas que terão posses para dar entradas de uma casa. O problema é que já se viu que estas medidas podem ter um efeito perverso, de aumentar o valor das casas. É claro que eu gostaria de aceder, mas neste momento é impossível”. Mesmo quando se cumpre os critérios, mostra-se que há uma geração que não sabe viver sem estar em crise.
Apesar de cumprir o critério da idade, Nuno diz não ter condições para comprar uma casa (DR)