Durante a pandemia, a Marie Polidorio comprou numa livraria digital inúmeros exemplares do meu livro “O Filho de Mil Homens”. Comprou e mandou entregar, um a um, nas casas de pessoas amigas que entendeu haveriam de passar um confinamento bastante melhor ao ler a história encantada de Crisóstomo, o pescador em busca de um filho. A Marie, impactada pelo livro, tanto o comprou que a plataforma digital bloqueou a sua conta por suspeitar de alguma prática estranha de revenda. Então, usou os dados do marido e continuou comprando e oferecendo o meu livro a um monte de gente, para quem a pandemia ficaria marcada por um gesto tão dedicado à arte da leitura.
A Brisa de Souza contou que ouvir-me falar deste romance cria uma urgência de abraçar seu filho e, mais ainda, de ter outro filho. Quem me ouve, segundo me confessou, quer voltar a casa e completar a família. Ela disse: “Você e o anticoncepcional são completamente antagónicos”. Senti-me a lutar contra a tristeza. Não saberei ao certo explicar isto. Mas, tudo em mim, agora, tende a lutar contra a tristeza.
Eu tive a impressão de que a grande Festa Literária Internacional de Paraty influi na natalidade do Brasil. O desafio de andar naquelas pedras irregulares atira muita gente nos braços de alguém, e a abundância de livros onde se juntam os leitores dá direito a mais sensualidade do que em filmes com Rita Hayworth ou Marlon Brando. Entendo bem que, se subitamente ponderamos os filhos, os que temos e os que não temos, Paraty possa ser o pretexto perfeito para a bravura que sempre faltou, talvez mesmo para o amor que se havia debilitado e ali, nas marés enchendo, se faz cristalino, reencontrado, como sacado da própria Natureza.
Amar um livro é sempre amar alguém. Porque não conseguimos amar sozinhos, queremos que outra pessoa leia também e esperamos de coração nas mãos que sinta o que sentimos. A comunhão com alguém do amor por um livro é um ponto de partida de valor incalculável, que pode justificar todos os fascínios e compromissos. Assim, amar um livro é sempre uma aposta em amar alguém. Nem que secreta. O livro está como sapato de conto de fadas à espera que uma outra pessoa chegue e o pé entre perfeito, uma pessoa que entra perfeita no livro como na medida de nosso coração.