Comando ucraniano desvalorizou a situação mas enviou uma das suas unidades mais experientes para travar um avanço que pode ter consequências catastróficas para as forças de Kiev
As forças armadas russas penetraram uma pequena mas importante secção da frente de batalha na região de Donetsk, no leste da Ucrânia, ameaçando não só a cidade de Pokrovsk como também uma autoestrada fundamental para as operações logísticas ucranianas, o que pode dificultar a defesa da importante localização de Kostiantynivka, de acordo com os analistas ucranianos do DeepState. O grupo baseia a sua análise num misto de técnicas de geolocalização de imagens vídeo e de testemunhos de unidades no terreno.
“A situação é bastante caótica porque o inimigo, tendo encontrado brechas na defesa, está a avançar mais profundamente, tentando rapidamente ganhar uma posição e reunindo tropas para avançar ainda mais, enquanto algumas pessoas no comando de uma determinada brigada ou não compreendem a extensão do problema ou estão a apresentar a situação como ‘sob controlo'”, escreve o grupo.
Este é um dos ataques mais bem sucedidos das forças armadas russas, desde que a ofensiva de verão começou. De acordo com os analistas do DeepState, o exército russo aproveitou a vantagem numérica do número de infantaria para encontrar brechas nas defesas ucranianas a norte de Pokrovsk. Assim que as vulnerabilidades foram encontradas, as forças armadas russas enviaram várias unidades ligeiras, equipadas com motociclos e carros de golfe, que foram capazes de penetrar quase 20 quilómetros além da linha defensiva.
Fontes no terreno, citadas pela imprensa ucraniana, dão conta de que os militares russos estão a contornar localidades como Zolotyi Kolodiaz e Shakhove, que têm várias fortificações e estruturas defensivas pré-preparadas, consolidando posições e aguardando por reforços. Segundo os analistas do DeepState, a cidade de Dobropillia, fundamental para a operação logística deste setor da frente, na região de Donetsk, poderá cair mais depressa que Pokrovsk.
“Após a consolidação e acumulação finais, serão inevitáveis as tentativas de avançar mais profundamente no território, e serão trazidas equipas de drones, o que complicará a reestruturação da logística alternativa e a manutenção das posições circundantes pelas forças ucranianas”, pode ler-se na análise do DeepState.
Imagem dos avanços russos no leste da Ucrânia, a norte da cidade de Pokrovsk, na região de Donetsk (DeepState UA)
Isto acontece porque o avanço russo atingiu uma autoestrada crucial para a logística do exército ucraniano, a T-0515 que liga Pokrovsk a Dobropillia. De acordo com o Instituto para o Estudo da Guerra (ISW), as forças russas conseguiram interditar uma extensão de 2,5 quilómetros da estrada, o que coloca ainda mais pressão para os militares ucranianos, que são cada vez mais atacados por drones russos a caminho da frente. Embora ainda não seja uma conquista operacional, o ISW indica que as forças russas pretendem transformar estas vantagens táticas num avanço mais significativo nos próximos dias, ameaçando potencialmente fortalezas ucranianas importantes como Pokrovsk, Kramatorsk e Sloviansk.
A situação parece ter sido precipitada pela ausência de reservas ucranianas, que aparentam estar ocupadas em outros pontos da frente, como a região de Kursk ou Sumy. As forças ucranianas estão dispersas ao longo de uma frente cada vez maior, ao mesmo tempo que o número de soldados é progressivamente mais difícil de repor. De acordo com o Kyiv Independent, que cita um oficial na condição de anonimato, a Ucrânia está a recrutar 30 mil soldados por mês, mas apenas um terço destes estão em condições para o combate.
O comando das Forças Armadas ucranianas parece reconhecer o perigo que este ataque representa, emitindo um comunicado onde admite que “o inimigo” está a aproveitar a sua “superioridade numérica” para infiltrar “pequenos grupos” além da primeira linha defensiva ucraniana. Isso levou o general Oleksandr Syrskyi a alocar “recursos adicionais para detectar e destruir grupos de sabotagem inimigos que penetram além da linha de defesa”.
O 1.º Corpo Azov da Guarda Nacional foi enviado esta terça-feira para a região com a ordem de assumir posições defensivas na localização e travar os avanços russos. A unidade, que tem vindo a chegar à região ao longo dos últimos dias, descreveu a situação como “complexa e dinâmica”, com as tropas russas a tentar avançar a todo o custo, apesar de perdas humanas e materiais.
Em simultâneo, a liderança do grupo do exército responsável por esta região pareceu desvalorizar a dimensão e a extensão deste ataque. O porta-voz do Grupo de Forças Operacionais Estratégicas do Dnipro, o tenente-coronel Viktor Trehubov, disse que a situação na área é confusa, mas que a penetração das defesas aconteceu com um grupo pequeno de dez soldados russos que ultrapassaram a primeira linha de defesa ucraniana na frente de Dobropillia e Pokrovsk, mas que isso não significa que o grupo tenha conseguido obter o controlo do território.
“Precisamos entender que se trata de pequenos grupos de várias pessoas. A presença deles é registrada, e é por isso que nos mapas de código aberto parece que «Meu Deus, os russos avançaram 12 quilómetros dentro do território ucraniano». Mas é preciso entender que não se trata de tomar o controle desse território. Estamos a falar de um pequeno grupo de russos, cerca de cinco a dez pessoas, que chegaram lá”, afirmou Trehubov.
Para o ISW, o timing da ofensiva russa aparenta ter sido estrategicamente coordenado para criar as “condições informacionais” para pressionar os Estados Unidos, em vésperas da cimeira que vai reunir Vladimir Putin e Donald Trump no território americano do Alasca. Os analistas do grupo acreditam que a operação serve para demonstrar que os ganhos territoriais russos são prova de que o Ocidente e a Ucrânia terão inevitavelmente de fazer concessões territoriais.