Há dores que não pertencem ao presente, mas que nele insistem como se acabadas de nascer. Não são feridas abertas pela faca do agora, mas cicatrizes que o tempo não conseguiu cerrar. Vêm de trás, de muito atrás, de um lugar onde a memória ainda respira, mesmo quando todos os outros já não respiram. No dia em que se celebram os Avós, não se celebra apenas a velhice ou a ternura. Celebra-se, ou devia celebrar-se, a espessura do tempo. Porque é nos Avós que o tempo ganha rosto: neles habitam os séculos, as casas demolidas, os gestos que já não se usam, as palavras que caíram em desuso. São arquivos vivos de um mundo que não volta. E o que nos fere, sem sabermos, é perceber que esse mundo se extingue dentro deles e que também nós seremos, um dia, essa última dobra de uma página esquecida.

A consciência humana é curta. Duas gerações, talvez três, e depois começa a névoa. Um nome de batismo num álbum, uma fotografia sem legenda, uma história que já ninguém conta. O que fica dos nossos Avós, dos Avós dos nossos Avós, é um rumor: não memória viva, mas eco distante. E é esse destino, o de todos nós, que nos assusta. Saber que seremos lembrados, porventura, como uma data de nascimento, uma receita de bolo, uma cadeira vazia na sala. No entanto, há uma dignidade profunda na finitude. Os Avós ensinam-nos, mesmo sem palavras, que viver é aceitar desaparecer. Mas também que o desaparecimento não é total quando há continuidade. Quando há cuidado. Quando há transmissão. Ser neto é, antes de tudo, estar atento. Ouvir antes que o silêncio tome conta. Aprender antes que o livro se feche. Guardar o que pode ser guardado, não para idolatrar o passado, mas para que o futuro não nasça órfão.

“Que celebremos cada dia dos Avós com gravidade. Não com flores ou postais, mas com tempo, atenção, presença”





O Dia dos Avós não deve ser uma data de lembrança superficial. Deve ser um instante de consciência histórica e afetiva. Um gesto de resistência contra o esquecimento. Porque o que morre sem ser escutado morre duas vezes: no corpo e no sentido. E o que se perde sem ser compreendido, não volta. Os Avós não são apenas os nossos. São a nossa origem. E não há identidade possível sem esse fundamento. Aquele que não sabe de onde vem, também não sabe para onde vai. E aquele que não reconhece nos mais velhos uma luz, ainda que trémula, vive às escuras, mesmo ao meio-dia.

Que celebremos cada dia dos Avós com gravidade. Não com flores ou postais, mas com tempo, atenção, presença. Porque talvez o amor seja isso: resistir ao desaparecimento oferecendo escuta. E talvez a eternidade, no seu modo mais humano, consista apenas em ser recordado com verdade. Pelo menos assim é a eternidade humanamente concebível.