Numa noite qualquer do verão de 1994, uma criança de 10 anos é sequestrada de dentro de uma barraca de acampamento em Princeton, Nova Jersey. Além de um rasgo grande na lateral da tenda, outra marca profunda que o crime deixou foram os traumas na outra criança presente na cena do crime, mas que saiu ilesa. Trinta anos depois e de volta à casa onde tudo aconteceu, o sobrevivente Ethan vai se deparar com mistérios que provam que o desaparecimento de seu melhor amigo, Billy, ainda tem diversas pontas soltas.

“O passado nunca desaparece de fato”, diz Riley Sager, o criador dessa história contida no livro No Meio da Noite, que acaba de chegar no Brasil pela editora Intrínseca. O autor, que já vendeu mais de 3 milhões de cópias de livros no mundo todo, tem fascínio em escrever sobre fragmentos do passado que retornam à vida dos seus personagens e usa desse artifício para elaborar reviravoltas, motivo pelo qual foi descrito como “mestre das reviravoltas” pelo jornal The New York Times.

Seu livro O massacre da família Hope, lançado em 2024 no Brasil, vendeu 45 000 cópias no país desde o lançamento e traz a história de Lenora, a única sobrevivente de um massacre que vitimou toda sua família em 1929. Anos depois, idosa e sem a capacidade de falar, ela buscará formas de contar tudo o que sabe sobre o crime. O livro foi inspirado no caso real de Lizzie Borden, que ocorreu em Massachusetts no ano de 1892. 

No Meio da Noite
Capa do livro “No Meio da Noite”, de Riley Sager (Intrínseca/Divulgação)

O tema familiar e o olhar ao passado parecem se repetir em No Meio da Noite. “Eu queria falar sobre a escuridão que sempre espreita os subúrbios dos Estados Unidos”, contou Sager em entrevista a VEJA. “Todos que moram neste bairro têm algum tipo de segredo ou vergonha”. Ao investigar um crime não resolvido de 30 anos atrás, o livro vai desnudar os traumas ocultos de um bairro suburbano que acaba por refletir grandes flagelos da sociedade americana, como o abuso de drogas e o bullying nas escolas. A linguagem simples que usa o passado como ferramenta para envolver o leitor e fazê-lo refletir sobre dramas coletivos coloca Riley Sager entre os principais nomes do thriller da atualidade. Confira a conversa do autor com VEJA

Por que se tornou um escritor de suspense? Acho que sempre quis escrever porque sempre fui um grande leitor. Em casa, meus pais liam, minha irmã lia, então eu também passei a fazer isso. Em algum momento pensei que, se ler é divertido, talvez escrever fosse também. E desde muito jovem fui atraído por coisas assustadoras, mistérios e thrillers. Comecei a ler Agatha Christie muito novo, provavelmente antes do que deveria, e depois passei para Stephen King e coisas assim. Então, naturalmente, quando pensei que escreveria algo, teria que ser suspense ou thriller.

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O que chama sua atenção em casos do passado? Sou fascinado por história. Leio muita não-ficção, história e até ficção histórica, e acho que o passado nunca desaparece de fato. Ele molda quem somos como indivíduos, o passado da nossa família, e molda quem somos como nação. Acho que o passado realmente tem um poder sobre o presente e não percebemos isso até que algo nos lembre dele ou que nos tire daquela sensação do presente. Eu realmente gosto de contar histórias que remontam ao passado e mostram o que as pessoas acham que aconteceu, mas que também trazem o presente e mostram como isso as afetou. E como alguém no presente, por meio da investigação, descobre que o que pensava ser verdade naquela época não era necessariamente verdade. É um assunto fascinante para mim e volto a ele várias vezes, e provavelmente voltarei até me cansar. Acho que nunca vou me cansar.

No Meio da Noite chega ao Brasil quase um ano depois do lançamento de O Massacre da Família Hope, um livro que se tornou um sucesso entre os leitores brasileiros e nas redes sociais. O que os leitores que gostaram de O Massacre da Família Hope vão gostar em No Meio da Noite? Isso é muito interessante porque são livros muito diferentes, mas acho que eles têm o mesmo espírito do passado assombrando o presente. Há linhas do tempo duplas em ambos e ambos são sobre uma pessoa no presente tentando resolver algo que aconteceu décadas antes e se surpreendendo com o que descobre. Então, definitivamente há muitas reviravoltas. Não tantas em No Meio da Noite quanto em O Massacre da Família Hope. Esse eu sei que as pessoas ficaram pensando que era um livro com reviravolta após reviravolta, e algumas pessoas disseram: “Adorei isso”, e outras disseram: “Foi reviravolta demais”, e eu discordo. Acho que nunca são reviravoltas demais. 

No que você se inspirou para criar o Ethan, esse personagem que é tão ligado ao próprio trauma? Eu moro em uma rua sem saída em Princeton, Nova Jersey. E o livro se passa em uma rua sem saída em Princeton, Nova Jersey. Em uma noite, eu tive dificuldade para dormir, o que é algo que Ethan e eu temos em comum. Eram cerca de 2h da manhã e eu estava olhando pela janela do quarto e conseguia ver as outras casas na rua sem saída. E todos nós temos essas luzes sensíveis ao movimento acima de nossas garagens. Então, quando um carro entra na garagem, a luz acende. Eu estava olhando pela janela e, na casa do outro lado da rua sem saída, a luz acima da garagem acendeu. E não havia nada lá para acioná-la. Eu pensei: “Isso é muito estranho. Deve ser um inseto ou algo assim.” A luz apagou, e então, na casa ao lado, a luz acima da garagem deles apagou. E eu pensei: “Isso é meio assustador.” A luz disparou e, na casa do meu vizinho, a luz acima da garagem dele se apagou. Foi quando eu pensei: “Ok, tem um fantasma na rua”. Eu não acredito em fantasmas, mas naquele momento eu pensei que aquilo era uma ótima ideia para um livro.

Qual parte? Um fantasma numa rua sem saída. E então decidi escrever um livro sobre algo horrível que aconteceu nesta rua sem saída em Princeton, Nova Jersey. E pode haver um fantasma vagando pela vizinhança e como isso afeta um homem de 40 anos que, quando criança, passou por algo traumático. Foi assim que o Ethan nasceu. Aí eu comecei a pensar: “por que o Ethan está acordado no meio da noite?”. Bem, porque ele não consegue dormir. E “por que ele não consegue dormir?” Porque ele tem pesadelos. “E por que ele tem pesadelos?” Porque ele sonha com a época em que tinha 10 anos e seu vizinho foi sequestrado dentro de uma tenda em seu quintal. E assim tudo se encaixou e foi isso que acabou se tornando o livro.

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Esse tipo de ideia surge naturalmente ou passa muito tempo pensando nelas? Elas surgem naturalmente para mim. Tenho muitas ideias e nunca as escrevo porque imagino que, se eu não conseguir parar de pensar nelas, vale a pena passar um ano escrevendo um livro sobre elas. Eu tenho ideias o tempo todo e a maioria delas desaparece no dia seguinte. Nem consigo me lembrar quais eram. Então, as que ficam aqui são aquelas que vão virar um livro um dia.

Alguns de seus livros se passam em ambientes familiares ou envolvem casos em família. Há alguma intenção por trás disso? Sim, eu queria que parecesse o bairro de todo mundo. A verdade é que eu escrevi sobre a rua onde eu moro. E Ethan mora na minha casa. É como se o quintal de onde Billy foi sequestrado fosse o meu quintal. Agora, tudo isso é ficção, mas eu usei meu bairro como inspiração. Eu queria que parecesse com qualquer bairro suburbano. Porque o que torna o crime neste livro tão chocante é que ele aconteceu em um lugar onde nada de ruim acontece e é um crime que nunca foi resolvido. E têm aspectos sobre ele que são inexplicáveis e estranhos. Só por ambientá-lo em um lugar tão inocente e livre de crimes, eu achei que o crime pareceria mais assustador e estranho e teria mais impacto. Como se houvesse uma razão para as pessoas ainda pensarem sobre esse sequestro 30 anos depois, e isso é porque foi um acontecimento muito incomum para a época e o local.

O livro apresenta um fato bastante alarmante sobre as mais de 500 000 pessoas desaparecidas anualmente nos Estados Unidos e também fala brevemente de um personagem que morreu de overdose. O que essas indicações e representações querem dizer? Eu queria dar uma dica sobre a escuridão que sempre espreita nos subúrbios. Como aqui nos Estados Unidos, os subúrbios são vistos como um lugar maravilhoso e rico, onde nada de ruim acontece e todos são felizes. E simplesmente não é o caso. Existem tantos livros e filmes que exploram isso, e No Meio da Noite é apenas mais um que ilumina os subúrbios estereotipados e mostra que, sim, é um pouco mais sombrio do que se pensa. E é por isso que tentei falar sobre os segredos e as tristezas de todas as pessoas que vivem naquele bairro. Há um garoto que desapareceu e isso afeta a todos profundamente. Mas também havia outros pequenos traumas acontecendo em torno da rua, incluindo a overdose do vizinho ao lado e o estado de saúde precário de uma das pessoas que moram lá. O mistério em torno da profissão dos outros vizinhos e o que eles faziam naquela época e o que fazem agora. Eu queria que fosse quase como uma novela. Teve uma série que fez sucesso nos Estados Unidos há 20 anos, chamada Desperate Housewives, que era sobre todos os segredos de mulheres suburbanas. Eu queria que fosse um pouco parecido com isso, onde todos que moram neste bairro têm algum tipo de segredo ou vergonha.

O livro menciona muito o caso do O.J Simpson, que aconteceu na mesma época do sumiço do Billy no livro. Na sua opinião, por que alguns casos parecem importar mais do que outros? É algo com o qual ainda estamos lidando. A coisa do O.J. Simpson surgiu porque eu ambientei o livro em 1994, e a única coisa sobre a qual as pessoas falavam em 1994 era o caso O.J. Simpson, a perseguição do Ford Bronco e os assassinatos, e eu queria realmente dar uma ideia daquele verão porque, para mim, pessoalmente, foi um verão fantástico. Eu me diverti muito no verão de 1994. E então eu me lembro de muita coisa sobre isso. O.J. Simpson era tudo sobre o que as pessoas falavam. Eu me lembro de ir ao cinema e ver Forrest Gump, O Rei Leão e Velocidade Máxima, e eu só queria realmente dar uma ideia de como foi o verão de 94. E, honestamente, de certa forma, para me orgulhar, porque eu amei muito aquele verão. Eu queria que as pessoas se lembrassem com carinho e que os leitores dissessem: “É, eu também me lembro disso. Eu me lembro onde eu estava quando assisti à perseguição de O.J. Simpson.” E isso que você perguntou é uma coisa muito triste que vivenciamos aqui nos Estados Unidos.

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Como assim? Eu não pretendo ser grosseiro ou cruel quando digo isso, mas se você é uma jovem bonita e desaparece, você estará em todos os noticiários, especialmente se você for rica. Se você é uma mulher negra, que não é rica, e desaparece, é provável que você não tenha muita cobertura da mídia. No caso do desaparecimento de Billy, no livro, ele era uma criança e veio de uma família rica de uma área rica. Então, isso naturalmente teria muita cobertura da imprensa. Considerando que, se ele não fosse todas essas coisas, provavelmente não teria se tornado uma sensação na mídia. Há um desequilíbrio entre o que é coberto aqui na mídia dos EUA em relação a certos crimes.

Recentemente, no Brasil, o consumo de thrillers e mistérios na literatura tem aumentado bastante, com nomes como Freida McFadden e Raphael Montes. Para você, qual o poder do thriller? Nós lemos ou assistimos a essas coisas e nos sentimos sortudos por não estarem acontecendo conosco. E acho que as pessoas simplesmente gostam do aspecto misterioso de tentar juntar as peças e descobrir as coisas por conta própria e ver se estão certas. Eu, como leitor, gosto de ser surpreendido, gosto de continuar virando as páginas e mergulhar no suspense. Acho que muitas pessoas gostam disso e os thrillers estão tendo um momento porque eles proporcionam isso. E é isso que tento proporcionar com os meus [livros]. Quero que meus livros sejam muito fáceis de ler, muito rápidos de ler, muito surpreendentes, mas também tenham um pouco mais de profundidade. Não muito, mas o suficiente para dar um toque especial. Acho que os leitores apreciam isso.

Obras artísticas sobre crimes brutais ainda sofrem resistência de alguns públicos. Na sua visão, existe algo que os autores podem fazer para mudar essa realidade? Sei que muitas pessoas pensam que, ao retratar a violência, você está tolerando ou incentivando a violência, e eu não acho que seja esse o caso. Com algumas exceções, meus livros tendem a não ser livres de violência, mas tento mantê-la fora da narrativa o máximo possível. Não estou interessado em escrever passagens descritivas longas sobre pessoas sofrendo. Tento não exagerar. As pessoas resistem a essas coisas por causa disso. Sei disso por experiência própria, tenho amigos e familiares que odeiam filmes de terror. Eles se recusam a assisti-los, não gostam por causa da violência. E à medida que envelheço, também fico assim. Gosto de sentir medo, mas simplesmente não gosto da violência extrema.

Como vê o mercado de thrillers hoje? Há algo que você mudaria dentro do gênero ou gostaria de experimentar? Boa pergunta. Mudar, não exatamente. Pelo que percebi, as pessoas têm a mente muito aberta sobre o que um thriller pode ser. Porque alguns thrillers contêm mais elementos de mistério. Alguns thrillers contêm mais elementos de terror ou sobrenaturais. E uma das coisas que eu realmente gosto no gênero é que você pode fazer muita coisa com ele e brincar um pouco, enquanto alguns gêneros eu acho que são muito mais restritos. Então, o que eu gostaria de ver é mais pessoas brincando com o que um thriller é e pode ser. Isso é muito empolgante para mim.

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Seu último livro foi um fenômeno no TikTok. Como enxerga o papel das redes sociais, especialmente o TikTok, no função de fomentar o interesse das pessoas na literatura? É muito importante. É também algo que eu, como escritor, não posso controlar. As pessoas tentam se tornar uma sensação no TikTok e não há como controlar isso. Simplesmente acontece. Então, honestamente, eu não presto atenção nisso. Tenho uma conta no TikTok que jamais uso, nunca posto e nunca mexo. Não olho o que as pessoas postam sobre mim porque sei que a única coisa que posso controlar, no fim das contas, é o que escrevo e o livro em si. Como esse livro será recebido está fora do meu controle. O que as pessoas dizem no TikTok sobre isso também está fora do meu controle. Então simplesmente não vejo sentido em assistir a tudo isso. Eu aprecio que esteja acontecendo, mas simplesmente fico de lado e não assisto, porque, além disso, para cada TikTok maravilhoso e feliz que você vê elogiando seu livro, provavelmente haverá outro de alguém dizendo que odeia o livro, que ele é péssimo e que eu sou péssimo. Então, eu prefiro não olhar para isso. Para mim, essa é a melhor opção. É super importante, mas também está fora do nosso controle.

Teme a crítica ou simplesmente não liga? Sinceramente, não me importo. Porque sei que haverá pessoas que não gostarão dos meus livros. E tudo bem, é da natureza humana. Mas também não vejo sentido em ler ou ver esse tipo de coisa, porque não posso mudar o livro. Está pronto. Eu o escrevi, trabalhei duro nele e fiz o melhor que pude. Simplesmente não vejo sentido em ler críticas ruins, porque fiz o melhor que pude. Se estou satisfeito com o livro, isso basta para mim.

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