Os mapas não enganam e há território de que o presidente da Rússia não quer mesmo abdicar. A análise antes da cimeira decisiva com Donald Trump no Alasca
O presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, e o presidente da Rússia, Vladimir Putin, reúnem-se esta sexta-feira para uma cimeira no Alasca que tem como objetivo – pelo menos do lado dos Estados Unidos – pôr fim à guerra que se seguiu à invasão total da Rússia em 2022. Qualquer acordo de paz em torno da Ucrânia teria de envolver um acordo sobre o território, com a Rússia a ocupar atualmente quase um quinto do território ucraniano.
Na passada sexta-feira, Trump sugeriu que um acordo de cessar-fogo poderia envolver “alguma troca de territórios”, mas ainda não é claro a que áreas se estava a referir, e a Ucrânia rejeitou categoricamente ceder partes do seu território. A Rússia também rejeitou a ideia.
Já esta quarta-feira, o presidente francês Emmanuel Macron disse que Trump foi “muito claro” numa chamada com líderes europeus: Washington DC quer obter um cessar-fogo e as questões territoriais da Ucrânia não podem ser negociadas sem o seu presidente, Volodymyr Zelensky.
Eis o que os mapas nos dizem sobre o que está em causa.
De que território estamos a falar?
Dados de 12 de agosto de 2025
Notas: calculado significa que o Instituto para o Estudo da Guerra recebeu informações fiáveis e verificáveis de forma independente que demonstram o controlo ou os avanços russos nessas áreas.
Fonte: Instituto para o Estudo da Guerra com o Projeto de Ameaças Críticas da AEI
Gráfico: Rachel Wilson, CNN
Uma das propostas, cujos elementos surgiram na última semana, alegadamente apresentada ao enviado-especial dos EUA, Steve Witkoff, em Moscovo, consistiria em a Ucrânia ceder o resto da região oriental de Donetsk e Lugansk, conhecidas em conjunto como Donbass, em troca de um cessar-fogo.
Mas, esta semana, a situação em Donetsk deteriorou-se rapidamente, com as forças russas a fazerem importantes avanços a nordeste de Dobropilia, alterando o controlo da área que Witkoff tem vindo a discutir com o Kremlin. Kiev desvalorizou os avanços como sendo infiltrações de pequenos grupos de forças russas, mas enviou reforços. Outras fontes ucranianas na zona pintam um quadro mais terrível, em que meses de pressão russa persistente culminaram num ponto fraco a explorar.
Como poderia ser uma “troca”?
Dados de 12 de agosto de 2025
Notas: calculado significa que o Instituto para o Estudo da Guerra recebeu informações fiáveis e verificáveis de forma independente que demonstram o controlo ou os avanços russos nessas áreas.
Fonte: Instituto para o Estudo da Guerra com o Projeto de Ameaças Críticas da AEI
Gráfico: Rachel Wilson, CNN
Seria politicamente tóxico para Zelensky ordenar a dezenas de milhares de civis e tropas que abandonassem voluntariamente a região de Donetsk. Muitos poderiam recusar-se. Os elementos práticos seriam impossíveis – retirar dezenas de milhares de civis em dias ou semanas, para se adequar ao calendário de um acordo de paz elaborado durante uma ofensiva russa de verão em que as forças de Moscovo estão a ganhar terreno.
Há poucas opções óbvias para Moscovo ceder. A norte, perto de Sumy e de Kharkiv, os russos detêm algumas zonas fronteiriças, ambas designadas como “zonas tampão” pelo chefe do Kremlin, e que são o resultado de incursões pouco bem sucedidas destinadas a esgotar os efetivos da Ucrânia. Mas são minúsculas e, como salientam os responsáveis ucranianos, também fazem parte da Ucrânia e não da Rússia. Por isso, não são uma “troca” óbvia ou igual.
E as outras zonas ocupadas?
Dados de 12 de agosto de 2025
Notas: calculado significa que o Instituto para o Estudo da Guerra recebeu informações fiáveis e verificáveis de forma independente que demonstram o controlo ou os avanços russos nessas áreas.
Fonte: Instituto para o Estudo da Guerra com o Projeto de Ameaças Críticas da AEI
Gráfico: Rachel Wilson, CNN
Alguma da confusão em torno da reunião de Witkoff no Kremlin foi a de saber se Putin tinha recuado nos seus objetivos de guerra maximalistas e se tinha concedido um potencial cessar-fogo apenas em troca de Donetsk. Putin sempre quis muito mais e, de facto, a Constituição russa perpetuou a falsa narrativa de que a Ucrânia é historicamente Rússia, acrescentando ao seu território as quatro regiões parcialmente ocupadas da Ucrânia.
Moscovo detém a maior parte de Donetsk e quase toda a região de Lugansk. Mas controla apenas cerca de dois terços de Kherson e Zaporizhzhia, respetivamente, tendo a primeira sido parcialmente libertada das forças russas no final de 2022.
Será que Putin concordaria em deixar as partes de Kherson e Zaporizhzhia controladas pelos ucranianos sob o controlo de Kiev? Isso ainda não é claro. Mas a cedência deste território por parte da Ucrânia seria outra hipótese impossível, pois exigiria a entrega de vastas extensões de terra a Moscovo e, na verdade, a evacuação de toda a movimentada cidade de Zaporizhzhia ou a sua transformação em território russo. Zelensky avisou também que o território cedido à Rússia seria simplesmente utilizado como trampolim para novas invasões, como aconteceu com a Crimeia, ilegalmente anexada por Moscovo em 2014, e utilizada como plataforma de lançamento para a guerra em grande escala em 2022.
Então, o que se pode fazer para congelar as linhas da frente agora?
As declarações dos aliados europeus da Ucrânia sugeriram que a atual linha de contacto fosse o ponto de partida para as negociações. Não se trata exatamente de uma concessão, mas de uma importante mudança de tom. Durante anos, a Europa e Kiev – juntamente com a administração Biden – declararam que nunca reconhecerão ou aceitarão o controlo russo sobre as partes ocupadas da Ucrânia. Mas, desde o regresso de Trump à Casa Branca, têm vindo a suavizar a sua posição, alimentando discretamente a ideia de que as linhas da frente podem ser congeladas.
Na verdade, esse seria um bom resultado para Kiev agora. Embora os avanços russos perto de Dobropilia nos últimos dias sejam inconclusivos, no conjunto das linhas da frente estão a transformar meses de progressos incrementais em ganhos mais estratégicos. Putin está claramente a ganhar tempo, tanto nos últimos meses de diplomacia lenta em Istambul, como no Alasca, onde a Casa Branca transformou uma cimeira que visava um acordo de paz imediato para evitar sanções duras num “exercício de escuta” mais suave.
Para Kiev, o melhor resultado seria Trump afirmar, como deu a entender, que “nos primeiros dois minutos” da reunião é claro que não há acordo a fazer, e depois impor as sanções secundárias contra os grandes clientes energéticos de Moscovo – Índia e China – que prometeu implementar na sexta-feira passada.
Mas a relação entre Trump e Putin assenta numa ligação opaca que parece sobrepor-se frequentemente aos interesses de segurança a longo prazo dos Estados Unidos, pelo que o resultado da sua reunião no Alasca será provavelmente menos favorável à Ucrânia e, certamente, um jogo de dados de alto risco.
Nick Paton Walsh, da CNN, fez a reportagem a partir de Kiev, com gráficos de Rachel Wilson e Lou Robinson em Londres