A jovem Carolina Arruda, de 28 anos, que ficou conhecida na internet por compartilhar sua rotina convivendo com neuralgia do trigêmeo — condição conhecia como “a pior dor do mundo” — foi submetida a uma sedação profunda, ou “coma induzido”, nesta quinta-feira (14).

Em publicação feita nas redes sociais, ela revelou que a sedação com cetamina será realizada após cinco cirurgias, como uma tentativa de fazer seu cérebro “reiniciar” e voltar a responder aos medicamentos usados em seu tratamento.

“O objetivo dela [da sedação] é dar um descanso para meu corpo e para meu cérebro da quantidade de medicamentos que eu tomo, porque eu tomo muito medicamento hoje em dia, e eles já não fazem mais efeito. Então, a ideia é que meu corpo fique ‘adormecido’, sem medicamento, e que quando eu voltar a tomar medicamentos, talvez façam um pouco mais de efeito”, explica em story publicado na quarta-feira (13).

O que é neuralgia do trigêmeo?

A neuralgia do trigêmeo é caracterizada por uma dor crônica facial e afeta, especificamente, o nervo trigêmeo da face, responsável pela mastigação e sensibilidade. A condição é chamada de “pior dor do mundo” e pode perdurar por meses e ser incapacitante, ou seja, impedir o paciente de realizar suas atividades profissionais e sociais.

Segundo o Manual MSD, referência médica publicada pela empresa farmacêutica Merck & Co., a causa da neuralgia do trigêmeo é o posicionamento anormal de uma artéria que comprime o nervo do trigêmeo. Essa compressão leva à dor aguda e intensa na parte inferior da face, podendo afetar apenas um lado do rosto ou ambos.

Em alguns casos, a neuralgia do trigêmeo pode ser consequência de uma lesão dos nervos causada pela esclerose múltipla. Em raras situações, a condição é resultante de um tumor que comprime o nervo do trigêmeo.

Como funciona a sedação profunda e quando é indicada?

De acordo com Vinícius Boaratti Ciarlariello, neurologista do Departamento de Pacientes Graves do Hospital Israelita Albert Einstein, a cetamina é um medicamento conhecido por, em doses altas, ser um sedativo dissociativo utilizado em procedimentos cirúrgicos e em pacientes graves em Unidade de Terapia Intensiva (UTI).

“Entretanto, na última década, tem-se voltado a atenção para o uso da cetamina em doses baixas no manejo de dores de origem nociplástica e no tratamento de depressão refratária ao tratamento clínico usual. Para isso, a dose da cetamina é completamente diferente daquela utilizada em procedimentos cirúrgicos ou no ‘coma induzido’ em pacientes graves com necessidade de ‘desligar o cérebro'”, explica Ciarlariello à CNN.

“O uso da cetamina para o tratamento de dor crônica refratária é ainda considerado off-label e uma das últimas estratégias consideradas no manejo de dor. Isso devido ao fato de nem todas as dores responderem ao uso do fármaco, além do risco de dependência química trazido por ele”, completa.

A sedação pode “reiniciar” o cérebro?

O especialista explica que, embora o termo “reiniciar o cérebro” para se referir à sedação profunda seja simplista, ele pode estar associado à tentativa de modificar as vias centrais de controle de dor e de comportamento, que podem ser alteradas com o uso de alguns tipos de sedativos, incluindo a cetamina.

“Os receptores de glutamato, um neurotransmissor excitatório do sistema nervoso central, são parte importante na via modulatória da dor no cérebro, e o bloqueio do subtipo NDMA destes receptores pode ter efeito benéfico no manejo dos sintomas de dor central. A medicação tem um efeito rápido nos receptores e sustentado por algumas horas a dias, mas o principal efeito dela na via de dor é reduzir o sinal que amplifica a percepção de dor”, explica.

O neurologista faz uma alegoria: a dor de origem central é como se fosse um parque de diversões, sendo a roda gigante a grande atração para venda de ingressos ao parque. Essa roda gigante são as vias modulatórias de dor. A cada vez que ela gira e passa pelo ponto de partida, ela ganha mais impulso e velocidade, o que atrai mais a atenção das pessoas para ela (na alegoria, isso significaria mais informações de dor).

“A medicação funcionaria como um freio dessa roda gigante. Sem a principal atração do parque, ele ficaria esvaziado de pessoas (o que significaria, na alegoria, menos informação de dor circulante), mas não quer dizer que o parque ficaria completamente fechado”, afirma.

Quais são os riscos associados à sedação profunda?

A sedação profunda pode trazer alguns riscos à vida do paciente. Segundo Ciarlariello, pessoas submetidas ao “coma induzido”, habitualmente, apresentam supressão do centro respiratório e precisam passar por intubação orotraqueal (um procedimento no qual um tubo é passado na boca até a traqueia), para ligá-lo a um ventilador mecânico para mandar ar para os pulmões.

“Neste procedimento de intubação, pode haver lesão da traqueia, dos dentes ou dos pulmões. O uso do ventilador mecânico está associado a um maior risco de infecções pulmonares, principalmente por germes hospitalares”, afirma o neurologista.

O coma induzido também traz risco cardíaco de arritmias, como a fibrilação atrial e taquicardias ventriculares. Por isso, este tratamento deve ser indicado e acompanhado por médicos especialistas, mas principalmente como último recurso terapêutico quando todos os outros tratamentos factíveis já foram considerados.

“Essa abordagem, independentemente da medicação utilizada, não é feita de forma habitual em casos de pacientes com dor crônica refratária. Há uma necessidade de entender o contexto dessa indicação. Casos extremamente pontuais e considerados “super refratários”, pode-se pensar neste tipo de abordagem mais agressiva com o uso da Cetamina para potencializar o manejo da dor e do humor”, finaliza.