Na imagem cardíaca, algoritmos de deep learning — um tipo de inteligência artificial que aprende a reconhecer padrões a partir de grandes quantidades de dados — já conseguem igualar a precisão de especialistas na análise automática de exames, no cálculo de volumes do coração e na avaliação do movimento do músculo cardíaco. Na área das arritmias, a IA começa a prever padrões de atividade elétrica no coração e já foi testada em relógios com sensor de ECG para vigiar, durante semanas, a fibrilhação auricular, com resultados semelhantes aos de um monitor cardíaco implantável.
Na cardiologia de intervenção, uma subárea da cardiologia que usa procedimentos minimamente invasivos, feitos através de cateteres introduzidos por artérias ou veias, para diagnosticar e tratar doenças do coração e vasos sanguíneos, existem sistemas que analisam automaticamente imagens das artérias coronárias ou interpretam exames de ultrassom intracardíaco. Tudo em tempo real. Um exemplo é o uso de redes neuronais para reconhecer sinais como o damping, ou a perda de amplitude, durante a introdução profunda do cateter numa artéria coronária, ajudando o médico a corrigir de imediato e a atuar com mais segurança.
O potencial é vasto, mas os autores alertam: generalizar modelos treinados em ambientes controlados para populações reais exige uma validação rigorosa e transparência. Viés nos dados, modelos demasiado ajustados aos exemplos usados no treino — que depois falham com dados novos — e a chamada ‘caixa negra’ de certos algoritmos, em que não é possível perceber claramente como chegaram às suas conclusões, continuam a ser obstáculos a ultrapassar antes de uma adoção massiva e segura.
Miguel Nobre Menezes, cardiologista no Hospital de Santa Maria e doutorando na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, está habituado a estudar e ouvir falar de IA em medicina – mas também a usá-la. “Na prática assistencial, aquilo que mais utilizamos é a IA aplicada à análise de imagem”, começa por explicar. O ecocardiograma é um exemplo simples: hoje, os softwares conseguem fazer medições automáticas sem que o médico tenha de posicionar manualmente o cursor. “Eu só valido o posicionamento. É rápido, poupa tempo e evita erros repetitivos.”
A tecnologia já vai mais longe nalguns centros, sobretudo nos Estados Unidos, onde existem modelos capazes de fazer automaticamente todas as volumetrias da ecocardiografia. “A única coisa que o médico faz é adquirir a imagem.”
Na cardiologia, há também espaço para a IA aplicada a exames aparentemente simples como o ECG. Miguel Nobre Menezes participa no Queen of Hearts, um estudo internacional que testa uma aplicação para interpretar automaticamente ECG em determinados contextos clínicos. “Está disponível para uso, mas com o aviso de que não é um dispositivo médico. É investigação.”