As ondas de calor estão a tornar-se cada vez mais comuns na Europa, e também mais duradouras. Na década de 2010 a 2019, houve mais 57% de pessoas expostas a estes períodos de calor extremo no continente europeu do que na década anterior, contabiliza um relatório do Centro Euro-Mediterrânico sobre Alterações Climáticas, que tem várias delegações em Itália. Portugal não escapou a essa regra. Os dados do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) mostram que a aceleração começou sobretudo a partir do ano 2000.

“Houve um aumento da persistência e da duração das ondas de calor, mais centrada nas regiões interior Norte e Centro”, explicou Ricardo Deus, que dirige a Divisão de Clima e Alterações Climáticas do IPMA. Esta viragem começou a sentir-se já na década de 1990 – afinal, em 1988 a concentração na atmosfera de dióxido de carbono (CO2), o principal gás com efeito de estufa, atingiu 350 partes por milhão (ppm), o limite do que os cientistas consideram seguro para que não haja alterações climáticas perigosas no nosso planeta.

“Mas a partir do ano 2000 é muito evidente, e já não é só confinada à região Norte, já se espalha para o Centro e até mesmo para o litoral”, explico ao Azul Ricardo Deus. Em 2003, foi a primeira grande onda de calor ao nível europeu, que se calcula que terá causado 70 mil mortes em excesso, para além do esperado.





Em 2022, 30% das estações meteorológicas portuguesas registaram três ou mais ondas de calor. E, nesse ano, em 32 das 53 estações existentes a onda de calor durou mais de 15 dias. Houve sítios onde foi ainda pior: ondas de calor que duraram mais de 40 dias, contou Ricardo Deus.





“Neste clima mais quente, estes fenómenos têm tendência a ganhar magnitude, tanto espacial como temporal (ou seja, duram mais tempo). Se olharmos para as projecções de cenários do clima futuro, apontam para que em algumas regiões a duração das ondas de calor possa aumentar 40 dias – podemos estar a falar de ondas de calor de 80 dias, o que é algo muito impactante”, sublinhou o investigador do IPMA.





Ilhas de calor

Os efeitos das ondas de calor podem ser amplificados nas cidades, onde se criam ilhas de calor urbanas: zonas onde, devido à falta de vegetação, uso de materiais que absorvem o calor (como o alcatrão das estradas) e grande concentração da actividade humana, a temperatura pode ser até nove graus Celsius mais elevada do que em as áreas circundantes onde há vegetação, diz o documento do Centro Euro-Mediterrânico sobre Alterações Climáticas.





Estas ilhas urbanas de calor afectam de forma desproporcional as comunidades mais marginalizadas e vulneráveis – que costumam viver em casas com menor eficiência energética e que, além de passarem frio no Inverno, sofrem também de uma forma de pobreza energética associada à incapacidade de se refrescarem no calor. Estima-se que o efeito das ilhas urbanas de calor tenha causado cerca de 90 mil mortes na Europa, entre 2000 e 2020.

Lisboa e Porto, as duas maiores cidades portuguesas, têm a vantagem de estarem perto do mar, e contarem com o ar marítimo para as refrescar. Mas vão acompanhar a tendência das restantes regiões, que é a de ver as ondas de calor passarem a sentir-se em regiões onde antes não era normal acontecerem, frisa Ricardo Deus.

“Este fenómeno está mesmo ligado às alterações climáticas, porque claramente a temperatura à superfície está mais elevada, o que é provocado pelo aumento da concentração de gases de efeito de estufa à volta da Terra”, conclui.