Depois de dias internada em tratamento na tentativa de interromper o sofrimento constante provocado pela neuralgia do trigêmeo, condição rara conhecida como a pior dor do mundo pela medicina, a mineira Carolina Arruda Leite, de 28 anos, deve sair do coma induzido neste domingo (17/8) e receber alta da UTI no dia seguinte. Segundo a atualização mais recente do boletim médico, divulgada por uma amiga nas redes sociais, o procedimento segue conforme o previsto e sem intercorrências.
A equipe médica prevê que, após cinco dias de tratamento na Santa Casa de Alfenas (MG), Sul de Minas, a bomba de infusão seja desligada neste domingo (17/8), concluindo o procedimento. A expectativa é que Carolina deixe a UTI na segunda-feira (18/8) e seja transferida para o quarto.
A evolução, até aqui, tem sido positiva. “Por enquanto sem nenhuma intercorrência, está tudo dentro do planejado”, informou o último boletim médico divulgado por uma amiga nas redes sociais.
A veterinária foi colocada em coma induzido na quarta-feira (13/8), em uma tentativa de fazer seu cérebro “desligar” e “reiniciar”, voltando a responder aos medicamentos que há anos já não surtem efeito. Diagnosticada com a doença raríssima aos 16 anos, Carolina chegou a um estágio tão avançado que nem os medicamentos mais fortes conseguem fazer efeito para controlar a dor.
Essa é a primeira vez que Carolina, inconsciente, fica sem sentir os efeitos da doença, que, de tão agressiva, provoca dores constantes a todo momento, inclusive enquanto dorme. “Eu só queria ter um pouco de paz, nem que fosse apagando tudo, por pelo menos alguns dias, só para tentar escapar desse pesadelo que não tem fim”, desabafou a veterinária em vídeo publicado nas redes sociais.
A neuralgia do trigêmeo é uma doença raríssima, que atinge menos de 0,4% da população mundial e não tem cura. A condição afeta o nervo trigêmeo, responsável pela sensibilidade da face, e provoca uma sensação de dor constante no rosto. O caso de Carolina é do tipo bilateral, atingindo os dois lados da face.
Como funciona o tratamento?
O protocolo adotado pela equipe médica consiste na infusão de cetamina, anestésico usado desde a década de 1960 para sedação de pacientes em cirurgias, mas que, há quase 40 anos, passou a ser estudado também no tratamento de dor crônica refratária e de depressão grave resistente – quando o uso de antidepressivos não conseguem tirar a pessoa de um quadro grave da doença.
Segundo o médico Carlos Marcelo de Barros, diretor clínico da Santa Casa de Alfenas e responsável pela equipe que acompanha a jovem, o objetivo é bloquear receptores no sistema nervoso que amplificam os sinais de dor.
“Estudos mostram que a cetamina pode aliviar a dor, reduzir o uso de opioides e melhorar o humor, mas é indicada apenas para pacientes selecionados e sempre sob supervisão de profissionais especializados, garantindo segurança e eficácia”, explicou em entrevista à Folha de São Paulo.
A aplicação da cetamina é feita por infusão venosa, em ambiente hospitalar, porque pode causar alterações na pressão, nos batimentos cardíacos, na respiração e percepção, tontura, náuseas, alucinações ou sensação de “estar fora do corpo”. A expectativa é que, após o período de coma induzido, o cérebro de Carolina volte a responder aos medicamentos.
No entanto, não há garantias, e os próprios médicos admitem que o resultado é incerto. Em suas redes sociais antes de iniciar o novo tratamento, descreveu a decisão de ser colocada em coma como uma medida extrema e desesperada, mas a única alternativa diante da dor que chama de “tortura invisível”.
“Essa vai ser uma medida paliativa tentada pelos médicos porque não há mais o que fazer. É um jeito desesperado de tentar desligar e religar meu cérebro. Já fiz seis cirurgias no nervo do osso e nenhuma funcionou. A dor continua implacável todos os dias, o dia inteiro, sem parar por um segundo”, desabafou.
Questionada por um seguidor sobre o risco de não sair com vida do coma induzido, Carolina explicou que, caso aconteça, será um alívio e que sua família tem se preparado para lidar com um eventual luto. “Sei que isso é uma polêmica, complicado discutir, conversar sobre isso, mas às vezes é necessário entender o que a dor causa na mente e no corpo da pessoa. Só eu sei o que ela causa em mim. Só sei o que passei nesses 12 anos de dor física, de dor psicológica, de dor espiritual, de exaustão”, afirmou.
Como Carolina chegou a esse ponto?
Desde que os primeiros sintomas da doença surgiram, aos 16 anos de idade, Carolina passou por seis cirurgias no rosto. As intervenções serviram para controlar os efeitos da neuralgia do trigêmeo e dar qualidade de vida, mas a progressão da doença fez com que as dores se tornassem cada vez mais intensas.
Em fevereiro deste ano, Carolina descobriu que também sofre de espondiloartrite axial, ou espondilite anquilosante, doença que afeta principalmente o esqueleto axial, formado pela cabeça, caixa torácica e coluna vertebral. Acredita-se que esta doença autoimune pode ter contribuído para o avanço dos sintomas da neuralgia do trigêmeo.
A condição de Carolina ganhou repercussão nacional quando ela decidiu abrir uma vaquinha on-line com o objetivo de arrecadar valores para realizar morte assistida na Suíça, pois, no Brasil, o procedimento é proibido.
Em entrevista ao Estado de Minas no início deste ano, a veterinária explicou que a decisão foi tomada porque as dores, cada vez mais intensas, haviam tirado sua paz e sua dignidade. A repercussão fez com que médicos recomendassem outros tratamentos que reduziram as dores por um breve momento.
“(A morte assistida) ainda é uma opção para mim. Infelizmente, não queria fazer isso. Ninguém quer tirar a própria vida. Não quero tirar minha vida, quero tirar minha dor, mas, infelizmente, a vida anda junto. Ainda não desisti e acho que vou deixar essa opção em stand-by até ter a certeza de que cheguei no fim do tratamento”, disse Carolina na época.
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Entenda o tratamento
O que aconteceu com Carolina?
- Aos 16 anos, surgem as primeiras crises de dor intensa no rosto.
- É diagnosticada com neuralgia do trigêmeo, doença rara e incurável.
- Passa por seis cirurgias, mas nenhuma traz melhora duradoura.
- A dor se torna contínua, sem alívio nem durante o sono.
- Com dores insuportáveis, considera a morte assistida como saída, já que no Brasil o procedimento é proibido.
- Descobre também sofrer de espondiloartrite axial, condição autoimune que agrava os sintomas.
- Inicia um tratamento experimental na Santa Casa de Alfenas, com infusão de cetamina e coma induzido.