Se subirmos até à La Fabbrica encontramos outros sabores? Sim. “Há alguns que são exclusivos”, revela João, explicando que sabores que são feitos com frutas da época, como a pera, o ananás e o pêssego, não fazem a viagem até cá abaixo: “Essas frutas da época ficam só na fábrica”. São as que os clientes habituais mais pedem? Nem sempre. Por ser uma zona mais familiar, onde sobra tempo para conversar com os clientes — “há muitos que se tornaram amigos” — há quem também peça sempre o mesmo sabor:  “Ainda há poucos dias apareceu lá uma pessoa e disse assim ‘não sabe quem eu sou?’ e o Angelo disse ‘sei sim senhor, é a Avelã”, recorda Teresa. “Também temos uma família do chocolate!”, exclama o marido. “Já vão na quarta geração e só comem chocolate. Toda a família só come chocolate”. “Mas acho que há uma neta que prevarica e vai para a baunilha”, acrescenta a mulher.

Essa baunilha é o sabor favorito do João. O vocalista da banda portuguesa Ganso garante que aqui é que se prova o verdadeiro sabor da baunilha, no entanto, confessa que não serão os únicos “a fazer com a vagem”. Entre os poucos que resistem, são sim aqueles que ainda utilizam ovos na produção dos gelados: “Hoje em dia, 90% das geladarias já fazem o gelado de uma maneira mais moderna e utilizam pastas com sabor a morango, a chocolate. E o ovo, que é um ingrediente da origem desta receita, já caiu em desuso. Nós ainda partimos ovos diariamente para fazer gelado”, explica.

Quanto a outras geladarias na capital, afirma que as que poderão fazer mais concorrência são a Conchanata, em Alvalade, e a Santini. “Na verdade, são aqueles que vêm do antigamente, como nós. Mas, quer dizer, concorrência para nós é tudo, até uma loja de donuts. Mas pronto, falando assim de grandes nomes que já estão cá há tanto tempo… a Santini, que nem chega a ser concorrente. É um império”, comenta João, sustentado por Teresa.

A vinda da família Sala para a Praça dos Restauradores veio afinar a imagem desta antiga geladaria. Se lá fora a esplanada se mantém, com as mesmas cadeiras e mesas de sempre, prova-o uma fotografia a preto e branco do tio Aristide (filho de Arcangelo) numa bicicleta com uma cadeira presa à frente — “é uma destas cadeiras” —, lá dentro as madeiras pintadas de branco, as paredes, antes de amarelo, são agora num tom encarnado escuro e o letreiro feito de novo, que acompanha o marco de Loja com História, evidenciam que alguém pôs mão nesta decoração. Ao balcão — também novo — servem-se agora menos sabores que antigamente: são apenas 12 ao contrário dos mais de 20 de antes. “Está mais organizado”, confessa Mirco. Como é que se consegue? “Às vezes andamos à luta”, brinca Teresa.

Dos tempos antigos ficaram também os bancos em madeira, desenhados especialmente pelo arquiteto Sena da Silva para a então loja da Avenida da Liberdade, e um sem número de utensílios de cozinha do tempo do avô de Angelo: “As formas das cassatas, as espátulas que utilizamos para tirar o gelado da máquina, que ainda é um processo manual, o tacho onde torramos as amêndoas, onde ainda continuamos a torrar as amêndoas e as avelãs manualmente, e o João agora também já é especialista nisso”, enumera Angelo, acrescentando que “temos uma série de coisas que ainda vêm daquele tempo e que nós continuamos orgulhosamente a utilizar.”