O sucesso de Raphael Montes foi precoce. Em 2014, com menos de 30 anos, ele lançou “Dias perfeitos”, seu primeiro best-seller. Hoje, antes de completar 40, tem obras traduzidas para mais de 20 idiomas, prêmios de relevância e diversas histórias adaptadas para o streaming. Atuando em um território amplamente explorado — a literatura policial —, Montes ainda assim imprime uma identidade autoral inconfundível. Quem assiste a “Dias perfeitos”, recém-chegado ao Globoplay, percebe facilmente os ecos de outras criações suas, como “Bom dia, Verônica”, série que teve três temporadas na Netflix. A nova produção tem roteiro de Claudia Jouvin e direção geral de Joana Jabace. Quatro dos oito episódios já estão disponíveis; os próximos dois serão lançados nos dias 21 e 28 deste mês.

Acompanhamos um estudante universitário, Téo (Jaffar Bambirra, que brilhou em “A vida pela frente“), e uma aspirante a roteirista, Clarice (Julia Dalavia). Quando a história começa, Clarice namora Breno (Elzio Vieira). Nas primeiras cenas, os dois estão dançando numa festa, e acabam na cama com Laura (Julianna Gerais). O conflito romântico que se estabelece entre esse triângulo ocupa os 25 minutos dos pouco mais de 40 do primeiro capítulo. É tempo demais. Mas a lentidão inicial serve a apresentar os personagens. Assim, conhecemos os pais de Clarice (Fabíula Nascimento e Felipe Camargo), com quem a relação é complicada. Também entramos na intimidade de Téo. Ele vive com a mãe, Patrícia (Débora Bloch), que usa cadeira de rodas. Na faculdade de medicina, prefere passar o tempo na sala onde são mantidos os cadáveres do curso de anatomia, uma pista de que há algo perturbador por trás de seu comportamento.

Juliana Gerais, Elzio Vieira e Julia Dalavia em "Dias perfeitos" — Foto: TV Globo Juliana Gerais, Elzio Vieira e Julia Dalavia em “Dias perfeitos” — Foto: TV Globo

Téo e Clarice se cruzam casualmente numa festa, e ali começa uma obsessão crescente do rapaz por ela. Até que ele a sequestra e mantém em cativeiro. Essa pulsão neurótica é o motor de toda a trama. A narrativa demora a acertar o nervo. Porém, isso acontece e toda a construção anterior faz sentido.

Clica aqui pra me seguir no Instagram

Débora Bloch é Patricia, mãe de Téo — Foto: TV Globo Débora Bloch é Patricia, mãe de Téo — Foto: TV Globo

A direção da talentosa Joana Jabace é certeira, sobretudo a sensibilidade com que ela conduz o elenco, extraindo o melhor de atores já consagrados. Destaco especialmente os desempenhos arrebatadores de Julia Dalavia e Jaffar Bambirra. A trama parece escrita para eles (e sabemos que não foi).

O roteiro de Cláudia Jouvin é afiado. “Dias perfeitos” narra as mesmas situações em repetição, para mostrar pontos de vista divergentes — o de Téo e o de Clarice. Esse recurso já foi visto na tela (cito a série “The affair” só para dar um exemplo). Ele tem seu valor, mas também pode esfriar o resultado quando se torna uma fórmula. Aqui funciona. Quem gosta de thrillers vai lembrar ainda de “Misery”, o filme com Kathy Bates inspirado em Stephen King. Naquele enredo, uma fã raptava seu ídolo, submetendo-o a todo tipo de tortura “por amor”.

Já “Dias perfeitos” começa com melodrama, mergulha no horror e deixa o espectador em suspensão. Recomendo.