Do sucesso precoce à morte no ostracismo, Victor Meirelles é reconhecido por imortalizar grandes momentos da história brasileira; 2025 marca 150 anos de quando uma obra icônica do pintor foi iniciada
Victor Meirelles faria 193 anos nesta segunda-feira (18) – Foto: Divulgação/ND
O casarão situado na esquina das ruas Victor Meirelles e Saldanha Marinho, no Centro de Florianópolis, abriga muito mais do que parte do acervo do maior artista catarinense de todos os tempos.
Foi ali que nasceu, em 18 de agosto de 1832, o mais premiado pintor acadêmico do Império que, ainda na infância, revelou seus invejáveis talentos para a arte.
Na certidão de nascimento, Victor Meirelles de Lima. Há 193 anos, simplesmente Victor Meirelles. Há exatos 150 anos, começava a pintar a célebre obra “Batalha dos Guararapes”, confronto que marcou no século 17 a luta contra a invasão holandesa no Nordeste brasileiro.
Ele está imortalizado não apenas na casa em que viveu os primeiros anos. Também na praça XV de Novembro, integrando o Panteão que circunda o Monumento aos Heróis da Guerra do Paraguai, com Cruz e Sousa, José Boiteux e Jerônimo Coelho.
É também nome de município no Alto Vale do Itajaí, situado a 270 km de Florianópolis, com uma população de cerca de 5.500 pessoas e onde está localizada a Reserva Indígena Duque de Caxias.
Artista nato
Victor Meirelles era filho de pai pedreiro e mãe simples dona de casa. Já aos 5 anos costumava fazer desenhos nas paredes da casa. Suas habilidades artísticas chegaram ao conhecimento de Jerônimo Coelho, o fundador da imprensa catarinense.
Com apenas 14 anos, conquistou bolsa de estudos na Academia Imperial de Belas Artes, no Rio de Janeiro, graças às indicações de Jerônimo Coelho. Com 21, recebia bolsa da Academia para estudar pintura em Paris e em Roma, onde familiarizou-se com a arte clássica e o realismo europeu.
Casa onde Victor Meirelles nasceu – Foto: Divulgação/ND
Regressando ao Brasil, com 29 anos, já era professor da Academia Imperial, quando se especializou em pintura histórica e começou a receber pedidos para obras que o tornaram dos mais célebres da monarquia.
Apoio de Dom Pedro 2º, imortalização das lutas brasileiras e morte na pobreza
Mereceu o Prêmio Viagem ao Exterior da Alemanha, onde produziu “Primeira Missa no Brasil”, sua obra mais famosa desde então e para sempre. Sensibilizou Dom Pedro 2º, que passou a apoiá-lo dentro do programa oficial de mecenato.
Graças a estes patrocínios, episódios históricos envolvendo o Brasil na luta contra invasores estrangeiros foram imortalizados. Vieram então a “Batalha dos Guararapes”, a “Batalha Naval do Riachuelo” e o “Retrato de Dom Pedro 2º”, entre muitos outros.
Sua técnica, os detalhes dos personagens, a nobreza de sua inspiração, rigorosa perspectiva e o caráter monumental de suas obras resultaram em incontáveis elogios e um batalhão de admiradores no Brasil e no exterior.
Pesquisas de Victor Meirelles
Victor Meirelles fazia profundas pesquisas sobre a temática escolhida, incluindo detalhes de figurinos dos personagens, armamentos usados, topografia da região dos confrontos bélicos, além de documentos.
Como ocorreu com outros famosos artistas estrangeiros, Victor Meirelles caiu no ostracismo com o fim do Império e o advento da República e morreu esquecido no Rio de Janeiro, num domingo de Carnaval, no dia 22 de fevereiro de 1903, em situação de pobreza.
“A primeira missa no Brasil” e o marco na educação
As gerações dos anos 1950 e 1960 foram educadas com a forte presença do artista desterrense Victor Meirelles. Os cadernos escolares traziam na capa sua obra mais famosa “Primeira Missa no Brasil” e na contracapa a letra do Hino Nacional.
Ao longo do século 20, foi reproduzida em selos e papel-moeda. Foi a pintura mais popularizada no Brasil.
A pintura causou grande impacto na época e continua até hoje por suas dimensões e beleza artística. Tem 2,68 metros de altura por 3,56 metros de largura.
O tema escolhido pelo catarinense foi um marco no Império: retratou a missa celebrada por frei Henrique de Coimbra logo após a chegada de Pedro Álvares Cabral no Litoral baiano. É o marco zero da fundação do Brasil, com a projeção da colonização portuguesa e do catolicismo.
O estilo inovador adotado por Victor Meirelles foi considerado impecável em termos técnicos, de iluminação, perspectiva e composição, integrando no mesmo espaço selvagem os indígenas nativos e os portugueses recém-chegados.
Guararapes e a expulsão dos holandeses
A tela “Batalha dos Guararapes” é outra pintura admirável no tamanho e na descrição visual de um fato histórico registrado no nordeste brasileiro no século 17. Tem 4,30 m de altura e 7,90 m de largura.
A pintura retrata um dos momentos decisivos das Guerras Brasílicas contra a ocupação holandesa em Pernambuco, no século 17. Foi iniciada em 1875 e concluída em 1879.
O artista viajou a Pernambuco para conhecer “in loco” os pormenores da área onde foram travadas as guerras dos luso-brasileiros contra os holandeses, que dominaram parte do Nordeste de 1624 a 1654. As duas batalhas principais ocorreram em 1648 e 1649, na região de Jaboatão dos Guararapes, 18 km ao Sul de Recife.
Foi nesses confrontos que se formou o embrião do Exército, unindo brancos, negros, indígenas e mestiços, todos contra o invasor, numa ideia forte e simbólica sobre patriotismo.
Victor Meirelles fez vários esboços do terreno e dos personagens principais. Segundo os críticos, “a composição é grandiosa e teatral, com destaque para heróis montados a cavalo, bandeiras tremulando e o caos da batalha.
As três principais obras de Victor Meirelles, exaltando a nacionalidade brasileira por fatos históricos bélicos “A Primeira Missa no Brasil”, a “Batalha dos Guararapes” e a “Batalha Naval do Riachuelo”, encontram-se no Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.
Museu em Santa Catarina
A casa onde nasceu Victor Meirelles, no Centro Histórico da Capital, estava ameaçada de demolição na década de 1940.
Em 1946, o presidente Gaspar Dutra autorizou a compra do imóvel de propriedade de Nicolau Camariére, graças às negociações conduzidas pelo museólogo Alfredo Rusins. Foi tombado como patrimônio nacional em 1950.
Museólogo Alfredo Rusins (centro) e governador Irineu Bornhausen (à dir.) prestigiaram o evento – Foto: Divulgação/ND
As reformas e restaurações foram feitas no governo Irineu Bornhausen, sob a supervisão de Georges Simoni e Rodrigo Melo Franco. Este fez petição do Museu Nacional de Belas Artes e obteve a doação de 21 obras do pintor, entre desenhos, aquarelas e pinturas.
A inauguração da Casa e Museu aconteceu no dia 15 de novembro de 1952, com a presença do museólogo Alfredo Rusins e do governador Irineu Bornhausen, entre outras autoridades e convidados.
Entre as principais obras do acervo, destacam-se “A Morta”, “Cabeça de Velho”, “Estudo para Batalha dos Guararapes: Felipe Camarão”, “Estudo para Batalha dos Guararapes: Soldado Holandês”, “Estudos de Capacete”, “Estudo de Traje”.
Inauguração da Casa e Museu Victor Meirelles, no Centro, ocorreu em 15 de novembro de 1952 – Foto: Divulgação/ND
Atualmente, o museu promove a exposição “Territórios da Memória”, com obras de artistas de vários países da América Latina.
Dois livros, com riquíssimas ilustrações e informações históricas, estão à venda: “Museu Victor Meirelles”, capa dura, bilíngue e com as principais obras do pintor; e “Victor Meirelles, Novas Leituras”, também com excepcional retrospectiva do artista desterrense.
As principais obras de Victor Meirelles
- A Primeira Missa no Brasil (1860), ícone da pintura histórica brasileira
- Batalha dos Guararapes (1879), obra monumental da luta contra os holandeses
- Combate Naval do Riachuelo, cena naval da Guerra do Paraguai (1883)
- A Passagem de Humaitá, também da Guerra do Paraguai (1886)
- Retratos de D. Pedro 2º e outras figuras do Império Panorama do Rio de Janeiro (1889).
- Fundação da Cidade do Rio de Janeiro – Estácio de Sá em 1565 (1890)
Obra rendeu crítica de pintor rival
A “Batalha dos Guararapes”, premiada no Brasil e marcante na arte nacionalista, mereceu críticas de Pedro Américo, outro ícone do Império, que mantinha uma rivalidade diplomática com Victor Meirelles.
Américo ficou famoso com obras notáveis como “Independência ou Morte” (1888), também durante décadas ilustração de cadernos escolares, “Batalha do Avaí”(1877), “Tiradentes Esquartejado”(1893), entre outras.
O consagrado artista paraibano recusou convite para pintar a “Batalha dos Guararapes”. E, depois de concluída a obra sobre a expulsão dos holandeses, Américo disparou crítica velada ao concorrente.
Alegava que as pinturas históricas do catarinense eram exageradamente fotográficas, voltadas apenas para o visual. Ele, Pedro Américo, procurava destacar mais as emoções, com gestos heroicos e luz dramática a retratar mais as emoções humanas.