As chamas continuam a devastar Portugal e esta sexta-feira, 15 de agosto, atingiram as vinhas centenárias da Titan, no Douro. Pior: as vinhas destruídas não eram vinhas quaisquer. São vinhas centenárias que produzem alguns dos vinhos mais cobiçados (e mais caros) do produtor.

O fogo, que já lavrava há vários dias na região, atingiu a zona de Paredes da Beira, onde, São João da Pesqueira, onde moram as vinhas que foram atingidas pelas chamas por volta das 14 horas, explica à NiT Luís Leocádio, o enólogo e proprietário.

“Vivemos um dos dias mais negros da nossa história”, confessou o produtor que foi eleito enólogo revelação pela Revista de Vinhos em 2019. “O que a natureza nos deu com tanta generosidade e ajudou a manter durante décadas, o fogo levou em poucas horas, deixando atrás de si um rasto de cinzas, silêncio e dor”, confessou numa publicação nas redes sociais, onde descreveu a “tragédia que destrói não só terra e uvas, mas gerações de trabalho, paixão e sonhos”.

O incêndio, já em fase de conclusão, teve início na quinta-feira em Sátão e Trancosco e acabaria por se alastrar a Sernancelhe, Moimenta da Beira e Penedono, Viseu, e Aguiar da Beira, Trancoso, Fornos de Algodres, Meda e Celorico da Beira. A quinta do Titan, no sopé da Serra do Reboredo, na freguesia de Paredes da Beira, não escapou à violência do incêndio.

Contas feitas, perderam-se dois dos seis talhões de vinha do terreno, na zona de Santiago e Ribeira de Galegos. Um total de dois hectares de vinhas centenárias com uma mistura de castas tintas e brancas, a altitudes que variam entre os 750 e 850 metros. “Trata-se de vinhas muito antigas, sem mecanização, trabalhadas apenas com força humana e tração animal”, explica.

“O abandono agrícola nas zonas envolventes contribuiu para que as chamas avançassem com grande ferocidade, devastando também áreas das aldeias onde nos inserimos”, revela o proprietário.

As uvas destas vinhas eram sobretudo usadas para produzir alguns dos vinhos mais valiosos da Titan, a gama Vale dos Mil e o Fragmentado. Esta última, conta com vinhos que podem ascender a valores acima dos 100€ por garrafa.

“Com este revés, ficamos limitados não só na colheita de 2025, mas também no futuro, face à incerteza sobre a possibilidade de recuperar ou não estas vinhas históricas”, revela.

O próximo passo? Concentrar os esforços nas vinhas que sobreviveram. “No inverno vamos proceder à análise do sucedido, realizar a poda, nutrir o solo e observar como a vinha responde. Vamos ver se alguma videira resiste e volta a abrolhar”, explica. “São videiras muito velhas, que já passaram por períodos de abandono e tiveram de se ‘refazer’. Agora, vamos ver se têm capacidade para recuperar novamente.”

Aos clientes e seguidores, Luís pede apoio. “Peço que não desistam de nós e continuem a apostar nos nossos vinhos criativos, com forte sentido de lugar.”

“Trabalhamos num território único e especial, que nos tem dado uma matéria-prima distinta e de grande qualidade. É isso que nos permite criar vinhos singulares, que refletem a nossa identidade e nos têm colocado como um produtor muito especial e acarinhado”, revela à NiT.  “Esse carinho sente-se de forma muito viva neste momento difícil, através das inúmeras mensagens e demonstrações de solidariedade que temos recebido de amigos, clientes e parceiros.”

Luís Leocádio começou a produzir vinhos em 2015 e, um ano mais tarde, apaixonou-se pelas vinhas velhas no sopé da Serra do Reboredo, um dos pontos mais altos do Vale do Douro, que chega aos mil metros de altitude. É nas encostas do Rio Távora crescem castas tintas e brancas que prosperam há mais de um século.

Em 2016, juntamente com a mulher, Vanessa Santos, criou o Titan of Douro. O nome do projeto homenageia Titan, o cão da família da raça Dogo Argentino, muitas vezes retratado nos rótulos das garrafas de reserva dos vinhos tinto, branco e rosé.

Pouco depois de iniciar atividade de forma independente, Luís foi distinguido como Enólogo Revelação do Ano pela “Revista de Vinhos”, em 2018.

A ligação ao vinho, no entanto, começou muito antes. Natural da freguesia de Trevões, em São João da Pesqueira, Luís cresceu no meio das vinhas. Os pais trabalhavam na Quinta dos Lagares, em Vale Mendiz, e foi lá que viveu até aos 19 anos.

Estudou enologia e dedicou-se ao cultivo e a produção de vinhs, que hoje se vendem por todo o País, em várias gamas para vários preços, dos mais modestos vinhos Titan que começam nos 9,59€, caso do reserva tinto, aos Fragmentados, que ascendem aos 100€.

Carregue na galeria para ver algumas fotografias do incêndio que destruiu dois hectares de vinhas.