Decisão de não responder a perguntas surge no mesmo dia em que a Proteção Civil admitiu falhas num sistema crucial para os bombeiros (e não só). E há “muita coisa por explicar”, está a ser “demasiado mau”

A declaração ao país da ministra da Administração Interna deste domingo durou menos de cinco minutos. Nela, Maria Lúcia Amaral comunicou que o Governo entendeu estender por mais 48 horas a situação de alerta face ao agravar dos incêndios – que já consumiram mais de 170 mil hectares e que, durante os últimos dias, levaram à morte de pelo menos duas pessoas, além de terem provocado destruição e consumido habitações e explorações agrícolas. No final, os jornalistas na sede da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil tentaram fazer perguntas à ministra, mas a Maria Lúcia Amaral recusou-se a responder. “Vamos embora”, disse – e depois foi mesmo.

A CNN Portugal questionou a razão por trás desta decisão, mas não obteve resposta. 

A decisão do Ministério da Administração Interna de não responder às perguntas dos jornalistas surge no mesmo dia em que a Proteção Civil admitiu falhas no sistema SIRESP, a rede de comunicações do Estado para comando e coordenação de comunicações em situações de emergência. Um problema que tem sido recorrente de cada vez que o país enfrenta uma crise – aconteceu, por exemplo durante o apagão geral de abril deste ano – e que levou o comandante dos bombeiros Luís Martins a descrever o assunto desta forma à CNN Portugal: “A rede de SIRESP muitas vezes falha e todos os anos falamos disto. É mais do mesmo, é de lamentar que uma das ferramentas importantes dos bombeiros não esteja disponível para o combate.” 

Não houve, no entanto, qualquer referência da parte da ministra ao SIRESP, sistema o Governo pretende substituir – depois de em julho ter anunciado uma prorrogação de um estudo técnico com “o objetivo de encontrar uma solução que assegure um sistema de comunicações robusto, fiável, resiliente, tecnologicamente adequado e plenamente interoperável”. De resto, as explicações dadas pela ministra abordaram também os fatores naturais que têm prejudicado o combate operacional aos incêndios, como o “agravamento dos ventos” e o “fumo intenso”. 

O comandante Jorge Mendes refere à CNN Portugal que há “muita coisa ainda por explicar”. “Sabemos neste momento que há bombeiros parados à espera de indicações para combater incêndios. Há zonas de combate que estão sem rede de comunicação. Há um certo desnorte em algumas zonas. Depois de isto tudo ter terminado, espero que as pessoas responsáveis façam uma avaliação e retirem consequências. Isto é demasiado mau, temos Sabugal completamente rodeado de chamas, temos Seia com o mesmo problema. Alguém terá de tirar as suas consequências.”

A comunicação da ministra foi feita ao país num momento particularmente difícil no combate às chamas no Sabugal, onde quatro aviões Canadair deram este domingo apoio no incêndio que afeta o concelho raiano da Guarda desde sexta-feira, o que acabou por evitar que as chamas atingissem a aldeia de Rapoula do Côa, que esteve cercada. Os fogos, no entanto, continuam em polos opostos – o que tem dificultado a resposta das autoridades.

Também em Seia, a frente que nasceu em Teixeira passou as Pedras Lavradas, no Parque Natural da Serra da Estrela, e progride “com grande violência” na direção da freguesia da Erada, na Covilhã. Foi também neste município que foi registada a segunda vítima mortal desta vaga de incêndios: tratou-se de um bombeiro que morreu num acidente de viação enquanto se deslocava para um incêndio no Fundão. Em comunicado, a Proteção Civil indicou que o acidente ocorreu pelas 19:10 e que existiram ainda “quatro bombeiros feridos, que estavam a ser resgatados/assistidos pelas equipas de emergência no local”.

Já em Pampilhosa da Serra, a situação tornou-se mais dramática nas últimas horas, com o presidente do município a explicar que o vento “mudou”, avançou a “grande velocidade” e que o fogo ficou “completamente descontrolado”. “Neste momento a dimensão está de tal maneira… está de tal maneira descontrolado que já não há carros suficientes até para proteger as povoações”, avisou o autarca. 

A situação mantém-se portanto “desfavorável” – nas palavras do Ministério da Administração Interna – dois dias depois de Portugal ter pedido ajuda europeia para responder aos incêndios. O Governo acionou o Mecanismo Europeu de Proteção Civil na sexta-feira após ter rejeitado, num primeiro momento, essa possibilidade. A 7 de agosto, o MAI justificava que o país não precisava de ajuda externa por ter meios suficientes para responder ao avançar dos fogos. “Ainda não chegámos, felizmente, e esperamos e contamos não ter de chegar, à verificação de que já não somos capazes de debelar um problema com os nossos próprios meios”, referia, na altura, a ministra. 

Essa decisão criticada pela oposição. No início do mês, o Chega disse que iria questionar o Governo sobre o atraso na ativação do mecanismo e o PS garantiu na altura que o apoio deveria ter sido pedido antes de forma a pré-posicionar meios aéreos para o combate aos incêndios. “O tempo deu-me razão”, disse este domingo José Luís Carneiro à CNN Portugal, acrescentando que “há falhas graves de coordenação e essa coordenação precisa urgentemente de um comando político”.