Bisneto de Oscar Niemeyer — um dos maiores nomes da arquitetura mundial —, Paulo Niemeyer Makhohl carrega o peso e a inspiração de um legado que marcou o século XX e segue influenciando debates sobre urbanismo no século XXI. Arquiteto e urbanista, idealizador do Fórum Mundial Niemeyer, que teve a sua quarta edição na semana passada, ele conversa sobre como a visão singular do avô — que criou um “conceito próprio de entender a cidade” — permanece atual, ao mesmo tempo em que desafia padrões estabelecidos. Nesta entrevista, Paulo comenta as críticas e propostas que Oscar Niemeyer fez para Brasília em seus últimos anos, como a transformação do Eixo Monumental em uma grande praça para pedestres e a criação da Praça do Povo, diferenciando-a da Praça dos Três Poderes. Ele também revela suas expectativas para a “Carta Niemeyer”, documento que será encaminhado à ONU-Habitat como contribuição brasileira ao debate global sobre o futuro das cidades. A seguir, trechos da entrevista:

De que forma o legado de Oscar Niemeyer influencia a sua própria visão de urbanismo e arquitetura no século XXI?

Oscar criou um conceito próprio de entender a cidade, compreendendo o modernismo e outros movimentos. Brasília é o maior experimento de arte, arquitetura e urbanismo integrado. Ele era um experimentalista e estudioso da sociedade, da arquitetura e do urbanismo, implantando em seu trabalho os pontos que acreditava que fariam a diferença para uma sociedade melhor.

Mesmo em seus últimos anos, Oscar Niemeyer tentou trazer novas ideias para Brasília e criticou aspectos do plano original. Quais eram essas ideias ou críticas?

Ele criticava Brasília por ser tão modernista, pois gostava do lado boêmio do Rio de Janeiro e de Paris, com seus boulevares. Ele queria mudar e melhorar o Plano Piloto, e um de seus projetos era a mobilidade urbana. Ele queria rever a ideia de ter carros transitando no Eixo Monumental, propondo que fosse uma grande praça para pedestres, com estacionamentos semienterrados para que o carro não competisse com os monumentos de Brasília. Também queria fazer a Praça do Povo, uma grande praça suspensa que conectaria o Museu de Brasília com a área perto do Teatro Nacional, com as ruas passando por baixo, diferente da Praça dos Três Poderes, que ele via mais como um espaço cívico para contemplação e não para aglomeração e discussão social.

Como você avalia Brasília hoje, especialmente com o aumento do trânsito e superlotação?

Isso faz parte da modernidade e do crescimento de qualquer cidade. Se está certo ou errado, depende. Se você gosta de carro e de dirigir, está certo. Se prefere chegar rápido (conceito de cidade de 15 minutos), então o que temos está errado. Se você entende que a cidade tem que ser mais humana e para pedestres, então também está errado. Eu acho que Brasília se perdeu, mas dentro disso está se reinventando. Não dá mais para construir da mesma forma. É fundamental o vazio da arquitetura, que é tão importante quanto a própria arquitetura. A ocupação não é uma questão de uso; você pode dar um uso de praça que não é uma ocupação construída. Não se pode acabar com os vazios da cidade, pois a construção excessiva adjacente a monumentos interfere na monumentalidade deles, como aconteceria se construíssem arranha-céus ao lado da Catedral de Brasília.

Como você vê a mudança visual em Brasília, com espaços públicos cercados e protegidos devido à polarização e protestos? Como acha que seu avô veria isso?

A cidade está feia. O turista não consegue ver a cidade, não tem acesso porque está bloqueada. Não falaria só do Oscar, mas do mundo. Brasília é considerada no exterior a Meca da arquitetura moderna mundial. Não preservar isso, não receber o turista, é uma estupidez, um atentado, um contrassenso de tudo que aprendi. Oscar ficaria triste. Brasília tinha que ser protegida por nós mesmos, porque é um legado. A solução não é botar grade ou policiamento, mas tentar conscientizar a população, pois só inconscientes fazem isso.

O tema central do IV Fórum Niemeyer foi a construção da felicidade coletiva. Como esse conceito se traduz no planejamento urbano e arquitetônico?

A felicidade coletiva, na verdade, não é uma condição, é um fim. Vários movimentos da felicidade coletiva, inspirados em índices como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e a experiência de países como a Finlândia, estão surgindo. Se ninguém é feliz em uma cidade, algo está errado. Realmente, viver tem que ser com felicidade.

Como o IV Fórum Niemeyer pode dialogar com pautas internacionais como a COP30 e a Agenda Climática Global?

Trouxemos especialistas ligados à sustentabilidade e várias questões que têm toda a relação com a COP30. Discutimos questões de sustentabilidade e a importância das praças, como o exemplo de Boa Vista, onde a prefeita implantou praças em quase todos os bairros.

De que forma a arquitetura e o urbanismo podem responder à emergência climática?

De 200 milhões de formas. Pode ser da forma quântica (discutida no fórum), da forma do urbanismo. O vazio é fundamental: se você tem o vazio, o Sol penetra, há espaço, há grandes ruas.

A “Carta Niemeyer” será encaminhada à ONU Habitat. Qual a expectativa em relação ao impacto concreto desse documento?

A expectativa é mostrar que há um grupo no Brasil interessado em discutir e contribuir com a ONU. Principalmente porque a sede da ONU é uma obra de Oscar Niemeyer, que ganhou o concurso para projetá-la contra outros grandes arquitetos, incluindo Le Corbusier (Charles-Édouard Jeanneret-Gris). A ONU e os sistemas globais estão ameaçados de existência porque não são respeitados como deveriam. A carta visa apoiar a paz e a convivência entre os povos.

Como bisneto de Oscar Niemeyer e também arquiteto, que avaliação você acha que seu avô faria de Brasília hoje?

Eu acho que ele ficaria triste. Ele já dizia, em vida, que Brasília foi construída para ter 500 mil habitantes, e já temos mais de 2 milhões. Ele dizia que a cidade não podia crescer porque o crescimento obriga a ter moradia e serviços, e a cidade vai começando a desvirtuar. Não pode avançar muito além disso por uma questão de espaço urbano.

Vanilson Oliveira

Formado em Comunicação Social – Jornalismo pela UFPB, pós-graduado em Comunicação Digital pelo Inst.de Posgrado de Madri e com MBA em Marketing pela Estácio de Sá.