Uma pesquisa paleontológica revelou um novo crocodilo predador vivendo entre dinossauros no interior de São Paulo, há 85 milhões de anos. O réptil ancestral media 4 metros e disputava suas presas com dinossauros carnívoros.

O estudo inédito identificou a presença de quatro grupos de crocodilos coexistindo no interior paulista no período Cretáceo (165 a 66 milhões de anos). Os dados apontam que, apesar do domínio dos dinossauros, a fauna crocodiliana era mais intensa e variada do que se imaginava.

Os fósseis foram descobertos em setembro de 2008 pela bióloga e pedagoga Angélica Fernandes dos Santos, conhecida como ‘Gelca’, durante prospecção no município de Ibirá. Porém, só agora em 2025, revisitando centenas de fósseis da região de São José do Rio Preto, especialmente dos municípios de Cedral, Ibirá e Monte Aprazível, os paleontólogos conseguiram identificar os grupos, cada um com suas adaptações ecológicas.

Estudo revela quatro grupos de “Crocodilos” coexistindo no interior de São Paulo durante o Período Cretáceo. Foto: Fabiano Iori

Também conseguiram identificar um conjunto de características distintas em um fóssil, indicando tratar-se de nova espécie do grupo dos Itassuquídeos. O novo integrante da paleofauna regional foi batizado de Ibirasuchus gelcae: o nome genérico refere-se a Ibirá, município onde o fóssil foi descoberto, e o termo ‘gelcae’ homenageia a descobridora do material.

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As descobertas foram publicadas no Journal of the South American Earth Scienses, revista de ciências internacional, com o título em inglês referindo-se aos crocodiliformes da formação São José do Rio Preto, bacia de Bauru, no Cretáceo Superior (entre 100,5 e 66 milhões de anos).

De acordo com o paleontólogo Fabiano Iori, que liderou o estudo, aos poucos a pesquisa vem conseguindo reconstruir o cenário que predominava neste período remoto no interior de São Paulo, com a paleofauna e suas interações ecológicas.

“Por ser depósito de origem fluviolacustre, a gente tem bastante fósseis de peixes e de cágados. Agora conseguimos chegar a quatro grupos de crocodilos e identificar um novo crocodiliano,” diz.

Ainda são necessários estudos para definir como vivia e do que se alimentava o Ibirasuchus, mas Iori acredita que, pelo aspecto do crânio, se tratava de um animal que emboscava suas presas. “Poderia ser de hábitos alimentares mais generalistas, incluindo na dieta peixes, tartarugas, animais que estivessem na beira de rios. É de uma linhagem que acabou se extinguido”, diz.

Achados expandem o conhecimento sobre a diversidade e a ecologia dos crocodilos do Cretáceo Foto: Fabiano Iori

O estudo propõe que esses grupos tinham seus ambientes preferenciais, segundo paleontólogo. “Nas terras mais altas viviam os esfagesaurídeos, que eram predados pelos baurussuchideos, os grandes crocodilos predadores terrestres. Nesse cenário, tínhamos também como predadores de topo os dinossauros carnívoros, que buscavam presas tanto nas partes mais terrestres, como nas margens de rios.”

Os crocodilos ancestrais conviviam também com os grandes titanossauros (dinossauros pescoçudos), que quase não tinham predadores na fase adulta. Próximos aos rios dominavam os Itassuquídeos, que se assemelhavam às formas mais atuais, entre eles o Ibirasuchus.

Para obter dados sobre a distribuição desses predadores, a pesquisa analisou centenas de dentes isolados de crocodilos e dinossauros e os locais onde foram encontrados. Os achados sugerem que esses animais eram os principais predadores nos rios e suas margens.

Para realizar o estudo, o grupo de pesquisadores analisou mais de 200 fósseis crocodiliformes. Foto: Fabiano Iori

Quatro grupos distintos

A partir dos fósseis estudados, os pesquisadores identificaram quatro grupos principais de crocodiliformes (ancestrais do crocodilo atual):

  • Esfagesaurídeos: Tinham crânios curtos e dentes adaptados para moer, sugerindo que uma dieta herbívora ou, possivelmente, onívora, que incluía plantas, insetos e pequenos vertebrados;
  • Perisaurídeos: Predadores terrestres de médio a grande porte, possuíam membros longos e uma postura mais ereta, parecida com a de mamíferos, o que lhes conferia agilidade em ambientes terrestres;
  • Baurussuquídeos: Robustos e com uma dentição especializada para cortar carne, eram os grandes predadores terrestres;
  • Itassuquídeos: O grupo engloba formas mais aquáticas, com corpos alongados e focinhos afilados, semelhantes aos crocodilos modernos, indicando uma dieta mais generalista.

Os crocodilos ancestrais conviviam também com os grandes titanossauros (dinossauros pescoçudos). Foto: Fabiano Iori

Mais de 200 fósseis analisados

Para realizar o estudo, o grupo de pesquisadores analisou mais de 200 fósseis crocodiliformes que estão depositados nas coleções dos museus paleontológicos de Uchoa e Monte Alto. Os materiais, coletados em vários municípios da região desde a década de 1990, incluem ossos, dentes e osteodermos – placa óssea que recobre os crocodilos.

Entre os achados, um pequeno pedaço de crânio chamou a atenção dos pesquisadores: era o fóssil do Ibirasuchus gelcae.

Além de Iori, participaram do estudo os pesquisadores Felipe Chinaglia Montefeltro (Unesp – Ilha Solteira), Thiago da Silva Martinho (UFTM – Uberaba), Leonardo Silva Paschoa (Museu de Uchoa), Renan Oliveira Fernandes (Museu de Uchoa) e Sandra Simionato Tavares (Museu de Monte Alto).

Para Fabiano Iori, os achados expandem o conhecimento sobre a diversidade e a ecologia dos crocodilos do Cretáceo, um período em que os dinossauros eram os protagonistas da fauna da época. “Também reforçam a importância da Formação São José do Rio Preto para a compreensão da fauna daquele período e suas interações com o ambiente”, diz.