Conheci Augusto Alves da Silva no final dos anos 1990, quando Teresa Siza instalava e dirigia o Centro Português de Fotografia (CPF), no Porto. Aqueles foram anos transformadores para a fotografia em Portugal, com o CPF a apoiar decisivamente fotógrafos como Paulo Catrica, António Júlio Duarte e o próprio Augusto Alves da Silva, entre muitos outros. Num programa de fomento de que não havia memória em Portugal e que, infelizmente, foi interrompido e não se repetiu, Teresa Siza e o CPF encomendaram e criaram condições para a produção e a exposição, em condições profissionais, de trabalhos em fotografia e em vídeo, a muitos artistas da minha geração.


Depois de passar pelo Instituto Superior Técnico, em Lisboa, o Augusto obteve por duas vezes bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian e mudou-se para Londres para estudar fotografia no London College of Printing (B.A. Hons. Photography) e na Slade School of Fine Art (M.F.A. Media). Pelo meio, em 1990, apresentou a sua primeira exposição individual intitulada Algés-Trafaria na Galeria Ether, em Lisboa, a convite de António Sena, com quem viria a manter contacto ao longo da vida. Em 2020, Augusto Alves da Silva doou aquela série de 18 fotografias a preto-e-branco à Fundação Calouste Gulbenkian.

As edições de Ist (1994), de Pasaje (1998) e de Shelter (1999) foram momentos muito relevantes na sua carreira. Recordo também as séries Que Bela Família (1992) e Uma Cidade Assim (1996), ambas na Colecção da Fundação de Serralves, bem como a instalação Road Works (1998), apresentada na Chisenhale Gallery, em Londres, e que, mais tarde, viria a ser adquirida pela Colecção de Arte Contemporânea do Estado.

O Augusto viveu sempre atento às realidades culturais e sociais e às tensões do seu tempo. Demonstrava uma percepção crítica das contradições que o rodeavam, evidenciada em obras que reflectiam tanto acontecimentos históricos como situações do quotidiano. A série 3.16, de 2003 (Colecção António Cachola), realizada na Base das Lajes, nos Açores, expõe com ironia extrema as arbitrariedades do exercício do poder pelas grandes potências; em Our Freedom, de 2004, surge a consciência de que o ataque às Torres Gémeas marcara o fim de uma hegemonia global. Já em Die schönste Fahne der Welt, de 2006, reagiu com humor ao espectáculo mediático de “A Mais Bela Bandeira do Mundo”, reunindo milhares de participantes no Estádio Nacional, no Jamor.

Em 2007, o Augusto apresentou, na Galeria Fonseca Macedo, nos Açores, com uma ironia tremenda, a exposição Animais, em que retratava muitos daqueles que se encontravam internados no Jardim Zoológico de Lisboa, para deleite dos humanos que os visitavam. O Augusto tinha pelos animais um carinho imenso, intenso, permanente. Nos últimos anos, viveu acompanhado pelos seus cães, o Jet e a Oli, que foram surgindo aqui e ali como protagonistas discretos das suas fotografias.

Em 2009, apresentou no Museu de Serralves a exposição Sem Saída —Ensaio Sobre o Optimismo, comissariada por João Fernandes, que ele tanto considerava, e que lhe permitiu realizar uma retrospectiva significativa da sua obra. Por sua vez, em 2016, António Cachola foi responsável pela apresentação da exposição Crystal Clear no Museu de Arte Contemporânea de Elvas. Felizmente, a carreira do Augusto foi pontuada por encontros determinantes com pessoas que ele estimou e cujas opiniões respeitava. Refiro-me a António Sena, Teresa Siza, João Fernandes, António Cachola.

O Augusto manteve ao longo da vida uma paixão por carros que adaptava em função das suas necessidades para, dessa forma, poder fotografar e filmar a partir da própria viatura, muitas vezes em movimento. Foi assim, por exemplo, em Paisagens Inúteis, de 2006 (Colecção António Cachola), na série Cielo e na projecção vídeo Luz, apresentados na Appleton Square, em 2016 e, claro, em Iberia, de 2009, que passou a integrar a colecção da Fundação de Serralves. As viagens que o Augusto realizava com regularidade por Portugal, pelos Picos da Europa, pela Islândia, pela Noruega ou por Marrocos amplificavam o seu amor pela vida e pela natureza, apaziguavam os seus demónios e colocavam-no em contacto com muitas e diferentes pessoas com quem conversava, ria e bebia com um prazer imenso.

Na barca de Caronte, o Augusto fará agora a viagem derradeira. Acompanhado talvez pelo som das rádios da Meseta Ibérica, que tantas alegrias lhe deram em outras tantas viagens. Em direcção à luz.