Nas últimas semanas, chegaram-nos declarações questionáveis por parte da Ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, e da Diretora-adjunta no Centro Nacional de Pensões, ex-assessora da referida Ministra, Elsa Gomes, numa campanha de perseguição às mães que amamentam após os dois anos de idade, como se o grande problema das fraudes no mundo do trabalho fosse essa. Vimos o debate focado numa questão específica, que só potencia o maior incumprimento por parte do patronato quanto ao direito a amamentar, em vez de se haver uma preocupação em apoiar a parentalidade e o futuro saudável das pessoas que agora são crianças em crescimento.

Vejamos as declarações da Ministra:

“Acho difícil de conceber que depois dos 2 anos uma criança tenha que ser alimentada ao peito durante o horário de trabalho. Isso quer dizer que se calhar não come mais nada, o que é estranho. (…) infelizmente, também temos conhecimento de muitas práticas em que, de facto, as crianças parecem que continuam a ser amamentadas para efeitos de dar à trabalhadora um horário reduzido, que é duas horas por dia que o empregador paga, até andarem na escola primária.”

Já Elsa Gomes, ex-assessora da ministra, entretanto nomeada diretora-adjunta no Centro Nacional de Pensões, escreveu nas redes sociais:

“Nenhuma mulher normal amamenta um filho depois dos dois anos, quem diz o contrário não pode ser boa mãe!”, considerando que estes casos deveriam “exigir a intervenção da CPCJ” — as Comissões de Protecção de Crianças e Jovens —,​ defendendo que “as fraudes devem ser combatidas sem qualquer receio”.

Ora, relacionar a amamentação após os dois anos de idade a uma necessidade de intervenção da CPCJ, não só é perigoso como é evocar os serviços da CPCJ em vão. Cara Elsa, isto é um pecado contra o direito materno de ter licença de amamentação. A Comissão de Proteção de Crianças e Jovens tem mais que fazer do que se preocupar com a amamentação após os dois anos de idade, já que esta não comporta qualquer malefício, apenas benefícios. Não brinque com coisas sérias. Além disso, se a questão é haver casos reportados de fraude, o que deve ser feito é uma auditoria e não limitar mais o direito para todas as mães. Para além de prejudicial para a saúde das mães e dos bebés a longo prazo, mesmo no seu crescimento e idade adulta, é injusto já que os casos ditos encontrados são exceções.

Assim sendo, deixemo-nos de informação falaciosa e olhemos para os factos sobre os benefícios da amamentação.

As recomendações da OMS valem mais do que bitaites

As recomendações da OMS ditam que o aleitamento materno exclusivo está recomendado até aos seis meses de idade, sendo que, depois disso, também se recomenda a sua continuação com a alimentação complementar adequada até aos dois anos ou mais, como afirma a Dr. Margarida Graça Santos logo no início do seu vídeo acerca da problemática recente acerca da amamentação materna prolongada. Parece-me inegável que as recomendações da OMS valham mais do que bitaites.

Quando um bebé é amamentado, os benefícios não se cingem aos primeiros seis meses. Amamentar até os dois anos de idade ou mais, continua a ter benefícios não só para o bebé como para a mãe e até para a economia do país. Se a Ministra do Trabalho quer falar de implicações económicas em relação à amamentação, pois bem, falemos a língua dela: a amamentação fortalece o sistema imunitário do bebé, ao ponto de reduzir a incidência de infeções respiratórias e, entre outros benefícios, diminuir o risco de obesidade e diabetes. Ora, sabemos como o tratamento destas últimas doenças têm um alto impacto na economia do país, bem mais do que tirar duas horas de trabalho ao patronato. Assim, amamentar para lá dos dois anos de idade poupa dinheiro ao Estado, já que lhe salva milhares e milhares de euros em tratamentos prolongados de diabetes e consequências da obesidade.

Além disso, a amamentação é um elo de comunicação entre a mãe e o bebé, já que, através da sucção, o bebé consegue comunicar à mãe as suas necessidades nutritivas e a mãe consegue passar anti-corpos ao bebé. Se o bebé estiver doente, vai dar indicações, ao mamar, através da saliva, que precisa de maior proteção imunológica, e o leite da mãe vai-se adaptar a essa necessidade. Parece magia, mas é a natureza a funcionar. Por esta razão, há uma grande diferença entre extrair o leite materno e dar de biberão ou amamentar, pois com o biberão não há esta comunicação. Claro que há casos em que a amamentação não é possível, confortável ou desejável pela mãe e não deve haver nenhuma condenação por isso. A verdade é que, como disseLígia Morais,Especialista em Aleitamento Materno IBCLC), em entrevista comigo, há uma falta imensa de acompanhamento no aleitamento. Tanto Isabel Loureiro, professora catedrática jubilada de Saúde Pública na Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, como Lígia Morais afirmam que há uma falta de acompanhamento geral no auxílio das mães com os bebés na questão da amamentação. Sem este acompanhamento, a amamentação pode-se tornar num momento muito desafiante e frustrante para a mãe e para o bebé, num momento tão frágil para a família como o pós-parto.

Além deste problema, a impossibilidade da parte do patronato para poder amamentar, faz com que facilmente se proceda ao desmame forçado, ou à substituição do leite materno por fórmula.

Claro que há situações em que a fórmula é necessária, e ainda bem que existe, como por exemplo, quando a mãe não tem outra forma de alimentar, faleceu, está a fazer algum tratamento que a impede de amamentar, ou não produz leite suficiente e tem de compensar com fórmula, ou o bebé foi adotado. Mesmo assim, é importante referir que a fórmula é um alimento ultraprocessado. É curioso como não pensamos na fórmula de leite artificial como um alimento ultraprocessado, quando o é. Desta forma, a fórmula existe para quando é precisa, mas quando há a opção de amamentar ou de extrair leite materno — quando a amamentação não é possível — não se deve descurar a opção natural com benefícios que para a vida toda.

Quanto aos benefícios para a mãe que amamenta, para além de fortalecer a ligação entre a mãe e o bebé, sabemos que protege a mãe contra cancro da mama e ovários, como refere a Dra. Margarida Graça Santos. Ainda, é importante referir que o ato de amamentar envolve a produção das hormonas Prolactina e Oxitocina. Esta ultima é considerada a “hormona do amor”, potenciando a ligação entre mãe e bebé. Assim, amamentar, pode até ajudar com o equilíbrio hormonal pós-parto, como referiu Lígia Morais, Especialista em Aleitamento Materno (IBCLC).

Como e quando desmamar?

Ora, depois de referirmos os benefícios para a mãe e para o bebé, é necessário falarmos do ato de desmamar. O cuidado com que as ativistas pela saúde do bebé proclamam o desfralde — que não deve ser forçado, mas sim orientado pelo próprio bebé criança, segundo o mote “as fraldas não te tiram, deixam-se” — é o mesmo que deve ser aplicado ao desmame da amamentação. Assim como é violento para o bebé desmamar de um dia para o outro, também o é para a mulher que amamenta. Sendo que amamentar potencia a produção de hormonas como a oxitocina, fazer o desmame abrupto não só causa stress para o bebé, como põe em risco a estabilidade emocional da mãe.

Assim, idealmente, o desmame deve ser feito de forma natural, sem a intervenção da mãe ou outra pessoa, ou seja, numa situação ideal, o desmame vai acontecendo conforme a diminuição de demanda do bebé ou da criança. A média de desmame natural, sem intervenção da mãe, anda entre os 2 e os 4 anos, embora se possa prolongar naturalmente, e claro que nesse período já foram introduzidos outros alimentos, cara Ministra do Trabalho. Mas olhemos para os factos, cara Ministra: em Portugal, apenas 33% das mães amamenta os bebés de forma exclusiva até os seis meses, sendo que a taxa de amamentação exclusiva neste período de vida quase não melhorou em 10 anos, como noticiado pelo Expresso. Assim sendo, haverá motivo para todo este alvoroço? Não, Senhora Ministra. Não, Senhora Diretor-adjunta. Sabem o que deveria estar em discussão? A promoção de políticas de trabalho que promovam a possibilidade de fazer amamentação exclusiva no início de vida.

A grande questão não é a amamentação, mas a falta de apoio à parentalidade

A grande razão pela qual a taxa de amamentação exclusiva não aumentou como seria desejável é a falta de políticas de trabalho que potenciem o seu crescimento. No entanto, há outras razões, como a vida acelerada que vivemos, que não permite a pausa para momentos entre mãe-criança e entre família. Além disso, temos, ainda, como referido, a falta de acompanhamento no processo de aleitamento materno.

Esta perseguição a quem amamenta só faz com que o patronato exerça mais pressão para que as mães trabalhadoras amamentem durante menos tempo, não pensando nos benefícios de saúde tanto para as mães como para os bebés. Precisamos de uma governação que proteja as mães e os bebés. Afinal, já não fomos todos bebés? A Maria do Rosário e a Elsa nasceram de onde? Há que pensar nas mães, nos bebés e no seu futuro como adulto.

Desta forma, o debate, como afirma a Dr. Margarida Graça Santos, deveria ser sobre as condições e apoio à parentalidade. Se de facto há fraudes, que se aposte da auditoria e não na limitação de direitos que promovem qualidade de vida a longo prazo e até, falando a língua capitalista da saúde, poupam muito dinheiro ao Estado. As declarações e a proposta do Governo para alterar o regime de dispensa para amamentação, limitando aos dois anos da criança e exigindo um atestado médico renovável de seis em seis meses, têm gerado uma onda de contestação não só de associações — havendo um comunicado assinado por representantes da Associação Portuguesa de Consutores de Lactação, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto, Movimento Amamentar em Portugal, Observatório de Violência Obstétrica, European Association of Breastfeeding Medicine, e Associação Portuguesa dos Enfermeiros Obstetras —, como da própria Ordem dos Médicos e da Sociedade Portuguesa de Pediatria.

Acabem com a perseguição às mães que amamentam e apostem na auditoria às empresas. Estarão as empresas a promover a saúde das mães, dos bebés, das famílias e dos adultos futuros deste país? Porque a amamentação está. Estarão as empresas a ter em conta os benefícios da amamentação na promoção da saúde e prevenção contra a diabetes e a obesidade, com os seus impactos sócio-económicos? A governação deste país precisa de olhar para o futuro das pessoas e do país, em vez de mandar bitaites com base em premissas falaciosas. Temos de pensar no amanhã agora, antes que as consequências do agora nos custem caro amanhã.

Uma nota conclusiva solidária

Se é mãe e está com problemas na amamentação, não está sozinha. Procure ajuda com pessoas consultoras de amamentação, como é o caso de Lígia Morais. Deveria ser o SNS a contemplar amplamente este serviço, mas sabemos que nem sempre está acessível.

Se foi mãe há menos de seis meses e produz mais leite do que aquele que o seu bebé precisa, considere apoiar a iniciativa do Banco de Leite Humano do Norte, do Hospital de São João, e do Banco de Leite Humano da Maternidade Dr. Alfredo da Costa, doando o seu leite materno excedente para que os bebés prematuros tenham acesso a leite materno.