Investigadores descobrem como surgiu a maravilhosa ligação entre mãe e bebé – e sinais moleculares que ligam mãe ao feto

Num estudo que parece saído de um livro de histórias sobre a vida, uma equipa internacional de cientistas, liderada pela Universidade de Viena, acaba de revelar pistas fascinantes sobre a origem da gravidez tal como a conhecemos – e o protagonista inesperado desta viagem evolutiva é o pequeno e curioso gambá, um marsupial que nos ajuda a recuar no tempo para entender como tudo começou.

Publicado na prestigiada revista Nature Ecology & Evolution, o estudo analisou o ponto onde duas vidas se encontram: o local mágico no útero onde o bebé (através da placenta) se liga à mãe. É ali que acontece um verdadeiro bailado biológico, em que se trocam nutrientes, hormonas e sinais genéticos – tudo sem que o corpo da mãe rejeite este “pequeno estranho” que carrega dentro de si.

Uma conversa celular com 100 milhões de anos

Para descobrir como esta ligação tão delicada evoluiu, os cientistas estudaram seis espécies de mamíferos – de ratinhos e porquinhos-da-índia a humanos, passando por primatas e até um animal pouco conhecido chamado tenreque — (um mamífero placentário primitivo). Mas o mais especial de todos foi o gambá: como marsupial, ele separou-se do ramo dos mamíferos placentários muito cedo, o que o torna uma espécie “janela para o passado”.

Ao analisar células individuais destes animais com uma técnica chamada transcriptómica de célula única (que permite ver quais genes estão ativos em cada célula), os investigadores criaram uma espécie de “atlas celular” da gravidez nos mamíferos. Assim, conseguiram identificar quais células são responsáveis por quê – desde as que formam a placenta e invadem o útero, às células maternas que respondem a essa presença fetal.

E a surpresa? Certos padrões genéticos ligados ao comportamento invasivo das células da placenta existem há mais de 100 milhões de anos! Ou seja, muito antes de existirem seres humanos, já havia este tipo de comunicação sofisticada entre mãe e bebé em formação.

Gravidez: um pacto de cooperação (com pequenos conflitos!)

O estudo também testou duas ideias sobre como mãe e feto se entendem (ou nem por isso):

  1. A Hipótese da Desambiguação: sugere que, com o tempo, os sinais hormonais foram sendo claramente “rotulados” como sendo da mãe ou do feto, para evitar mal-entendidos. E sim, os dados confirmam que certas mensagens (como proteínas WNT, hormonas e sinais imunitários) vêm de uma origem bem definida.
  2. A Hipótese da Escalada (ou “Conflito Genómico”): propõe que existe uma espécie de jogo de forças – o feto tenta crescer o mais possível, enquanto a mãe tenta controlar os recursos. Aqui, houve alguma evidência, especialmente no gene IGF2, que estimula o crescimento. Mas no geral, os cientistas viram mais sinais de cooperação do que conflito.

Como explica Daniel Stadtmauer, um dos autores principais:

“Talvez não devamos perguntar se a gravidez é conflito ou cooperação.”

Do laboratório para o futuro da medicina

Mais do que um estudo sobre biologia antiga, esta investigação mostra como técnicas modernas podem ajudar a desvendar os segredos da evolução – e até a melhorar o nosso entendimento sobre complicações na gravidez, como a pré-eclâmpsia ou partos prematuros.

“A nossa abordagem permite ver a evolução não só de espécies, mas de células e tecidos inteiros”, afirma Silvia Basanta, coautora do estudo. “É como assistir a milhões de anos de história acontecer ao microscópio.”

O trabalho foi desenvolvido em colaboração com investigadores da Universidade de Yale (EUA) e financiado por entidades como a Fundação John Templeton e o Fundo Austríaco para a Ciência.

Estudo completo aqui