Crianças de populações minoritárias que vivem em bairros com pior condição socioeconômica receberam significativamente mais antibióticos do que crianças brancas não latinas durante a internação por pneumonia, segundo dados de quase 50 mil pacientes.
Os resultados foram apresentados no congresso Pediatric Hospital Medicine (PHM) de 2025.
Pesquisas anteriores já apontaram uso excessivo de antibióticos no tratamento da pneumonia em crianças, o que pode expô-las a riscos desnecessários, afirmou a Dra. Jillian Cotter, médica do Children’s Hospital Colorado, nos Estados Unidos. Segundo ela, embora as disparidades na prescrição ambulatorial sejam conhecidas, ainda há poucos dados sobre essas diferenças em pacientes internados, especialmente em casos de pneumonia.
Para avaliar a relação entre raça/etnia, Índice de Oportunidade na Infância (COI, sigla do inglês Childhood Opportunity Index) e padrões de prescrição de antibióticos, a autora e colaboradores revisaram dados de 49.332 crianças de três meses a 18 anos hospitalizadas com pneumonia entre 2022 e 2024 em 43 hospitais do Pediatric Health Information System.
O COI considera aspectos como disponibilidade e qualidade da educação, fatores de saúde e ambientais (como proximidade a supermercados) e fatores socioeconômicos (como emprego e famílias monoparentais). O índice foi dividido em quintis, sendo o mais alto referente a áreas com mais recursos. A mediana de idade foi de quatro anos, e o tempo médio de internação, de 1,8 dias. A amostra foi composta por 43% de crianças brancas não latinas, 27% de latinas, 17% de negras não latinas e 5% de orientais.
Ao todo, 81% das crianças receberam antibióticos, 48% receberam antibióticos de amplo espectro e 75% receberam antibióticos intravenosos. Crianças orientais ou negras não latinas tiveram probabilidade significativamente maior de receber um antibiótico em comparação a crianças brancas não latinas (asiáticas: 86% versus 80%; razão de chances ajustada [RCa] = 1,45; negras não latinas: 83% vs. 80%; RCa = 1,59).
Crianças latinas apresentaram probabilidade significativamente maior de receber antibióticos de amplo espectro do que crianças brancas não latinas (52% vs. 46%; RCa = 1,30). Além disso, todos os outros grupos étnicos tiveram maior probabilidade de receber antibióticos intravenosos do que antibióticos orais, quando comparados às crianças brancas não latinas.
Em um modelo ajustado, crianças no quintil mais baixo do COI, quando comparadas às do quintil mais alto, apresentaram maior probabilidade de receber ao menos um antibiótico vs. ausência de antibióticos e maior chance de receber antibióticos de amplo espectro vs. de espectro estreito.
Os achados podem não refletir a realidade de todos os hospitais que atendem crianças. As limitações foram relacionadas ao efeito de variáveis de confusão não mensuradas, ao uso do código postal em vez de dados do setor censitário para determinar o COI e às interações complexas entre raça, etnia e COI, que estão além do escopo do estudo, observou a Dra. Jillian.
Os pesquisadores ficaram surpresos ao constatar que a direção das diferenças na prescrição era oposta à observada em grande parte da literatura científica sobre administração de antibióticos em ambulatórios, afirmou a autora ao Medscape. “A literatura [científica no cenário] ambulatorial geralmente descreve que a administração de mais antibióticos e de antibióticos de amplo espectro tende a ser mais frequente em crianças brancas não latinas e nas que residem em bairros com melhores oportunidades”, declarou. “Possíveis razões para essas diferenças envolvem fatores sistêmicos e preconceitos implícitos do médico, que podem ser mais evidentes em ambientes de internação, em comparação a ambientes ambulatoriais, devido à maior gravidade da doença, à preocupação com a maior gravidade ou à ausência de relação prévia entre médico e paciente”, acrescentou.
Considerações clínicas e lacunas na pesquisa
“Como profissionais de saúde, precisamos refletir sobre nossos preconceitos inconscientes e como eles podem influenciar a prescrição de antibióticos”, afirmou a pesquisadora ao Medscape. Além disso, “as várias disparidades observadas entre pacientes internados e ambulatoriais mostram que os achados do contexto ambulatorial podem não ser generalizáveis para o ambiente de internação”, concluiu.
Preconceito pode influenciar a tomada de decisão
“Acredito que os médicos, com ou sem razão, percebem pacientes de minorias étnicas como vulneráveis e tendem a tratá-los em excesso”, sugeriu o Dr. Tim Joos, médico de uma clínica de medicina interna e pediatria do sistema de saúde Neighborcare Health em Seattle, nos EUA.
Segundo ele, que não participou do estudo, pacientes de minorias frequentemente enfrentam mais dificuldades de acesso inicial aos cuidados de saúde; então, os médicos podem percebê-los como atrasados no atendimento e se sentir menos seguros em conduzir o acompanhamento.
Em consultas nas quais há barreiras linguísticas ou culturais, os médicos podem se sentir menos confortáveis e mais propensos a prescrever tratamentos excessivos, em vez de observar e reavaliar, cogitou.
O estudo reforça a necessidade de os médicos refletirem sobre potenciais preconceitos no atendimento a pacientes de diferentes grupos étnicos e socioeconômicos, afirmou o Dr. Tim ao Medscape. “Práticas que eram válidas para gerações anteriores podem não ser apropriadas em uma sociedade estadunidense cada vez mais diversa”, acrescentou.
O estudo não recebeu financiamento externo. A Dra. Jillian Cotter informou ter recebido financiamento da Pfizer para um estudo não relacionado. O Dr. Tim Joos informou não ter conflitos de interesse financeiros.
Este conteúdo foi traduzido do Medscape