Quando chegou ao FC Porto, tendo como contexto uma das piores épocas desportivas dos últimos tempos que culminou com uma passagem fugaz pelo Mundial de Clubes (e que sentenciou também a passagem fugaz de Martín Anselmi pelo comando dos azuis e brancos), Francesco Farioli quis fazer tábua rasa do passado e começar um novo futuro partindo com o livro em branco no presentes. Todos teriam oportunidade para se mostrarem, todos teriam hipótese para se revelarem, todos teriam tempo para encontrarem o seu espaço. Foi a partir dessa base que Pepê, que estaria na lista das potenciais alienações no verão, apagou a pior versão dos meses finais e assumiu um relevo que entretanto perdera. Foi nesse contexto que Rodrigo Mora, que seria a joia da coroa para segurar no verão, se apagou entre um modelo e uma filosofia diferentes de jogo.

Gil Vicente-FC Porto. Zaidu rende lesionado Martim Fernandes, Rodrigo Mora continua no banco

O italiano teve duas grandes vitórias na pré-temporada: acertou em contratações nevrálgicas para esta nova versão do FC Porto, da experiência de Bednarek à força de Victor Froholdt no meio, e conseguiu fazer com que os jogadores acreditassem numa ideia diferente sem necessidade de impor a mesma. Os dragões foram ganhando consistência defensiva, foram ganhando largura no seu jogo, foram ganhando presença na frente em zonas de finalização. Entre a revolução que potenciou o melhor de vários soldados, o recruta com maior potencial para chegar a general acabou por ficar preterido das opções iniciais. Farioli tinha uma “batalha” inesperada que quis combater de pronto, clarificando posições em relação à jovem coqueluche portista.

“Vi muitos artigos e comentários sobre isso, quero explicar de forma clara a situação para não haver dúvidas. O Rodrigo [Mora] é um jogador importante para o FC Porto e também para o futebol português, o que está a acontecer não é saudável. Não entrou no último jogo porque tivemos de fazer duas substituições forçadas e isso explica por que ele não entrou em campo. O Rodrigo é importante para o FC Porto. Pelo que fez na última época, por ser um jogador muito talentoso, jovem, que tem de se desenvolver e trabalhar. Tudo vai ser muito calmo, a evolução dele está a ser avaliada de forma diária, não quero criar ruído em torno disso. Está a trabalhar bem, vai ter as suas oportunidades. Ele coloca o clube à frente de toda a gente e isso é importante”, apontou o técnico transalpino, esvaziando qualquer balão de críticas que começasse a surgir pela escolha.

Farioli tinha uma ideia, contratou jogadores com características de Froholdt ou Borja Sainz por essa ideia e quer fazer a crescer a equipa à luz dessa mesma ideia. E Mora? “Num 4x3x3 a posição dele é ligeiramente diferente. Estamos a falar de poucos metros mas com tarefas diferentes, especialmente na parte sem bola. É um aspeto que tem de melhorar, como todos, porque é algo de novo para a equipa”, especificou. Sem deixar cair o seu pequeno grande do pelotão, o transalpino continuava a apostar nos mesmos soldados à exceção do lesionado Martim Fernandes para duas batalhas: consolidar um modelo e somar a segunda vitória na Liga em Barcelos frente a um Gil Vicente “difícil” com quem o FC Porto perdeu pontos nos dois últimos anos.

“Desde que começámos temos recebido uma boa resposta dos jogadores. Há muitas coisas a melhorar. No jogo com o V. Guimarães tivemos bons momentos mas também houve outros de desconexão, há coisas a melhorar. Estamos em construção. Grupo forte? Os jogadores que cá estão são líderes. Há o Diogo [Costa], o Cláudio [Ramos], há também o Alan Varela. Temos jogadores com experiência em liderança e com grande mentalidade. A primeira vez que falei com o presidente concordámos em construir um grupo forte, com valores em termos de trabalho árduo e entrega ao clube. Os jogadores que já cá estão e os que chegarem têm de preencher estes requisitos”, assegurara Farioli, falando dessa “base” para tudo o resto.

Mais uma vez, imperou o coletivo e imperaram as caras novas. Froholdt, que marcou pela primeira vez desde que chegou ao Dragão, voltou a encher o campo com um pulmão inesgotável que não conhece limites. Gabri Veiga, mesmo estando mais discreto do que o dinamarquês, esteve em todos os lances de perigo dos dragões até deixar o campo. Jan Bednarek, cada vez mais solto em termos físicos, foi o bastião de uma organização defensiva cada vez mais sólida. Depois, apareceu Pepê. No mesmo palco em que teve o choque de frente com Vítor Bruno antes da saída do técnico, que o acusou na altura de se ter “excluído” da equipa, o jogador brasileiro mostrou a melhor versão, provou o porquê de ser indiscutível na estratégia de Farioli e, ao mesmo tempo, evidenciou aquilo que (ainda) falta para Rodrigo Mora evoluir para entrar no 4x3x3 do transalpino, da largura que consegue oferecer em termos ofensivos ao trabalho sem bola em prol da dinâmica coletiva.

Ficha de jogo

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Gil Vicente-FC Porto, 0-2

2.ª jornada da Primeira Liga

Estádio Cidade de Barcelos

Árbitro: Ricardo Baixinho (AF Lisboa)

Gil Vicente: Andrew; Hevertton (Zé Carlos, 81′), Buatu, Marvin, Konan; Zé Carlos Ferreira (Santi Garcia, 51′), Facundo Cáseres (Gustavo Varela, 68′), Luís Esteves; Martin Benítez (Agustín Morales, 51′), Bermejo e Pablo (Rodrigo Rodrigues, 81′)

Suplentes não utilizados: Dani Figueira, Gui Beleza, Antonio Espigares e Gonçalo Maia

Treinador: César Peixoto

FC Porto: Diogo Costa; Alberto Costa (Zé Pedro, 78′), Nehuen Pérez, Bednarek, Zaidu; Alan Varela, Victor Froholdt, Gabri Veiga (Eustáquio, 58′); Pepê (Rodrigo Mora, 78′), Borja Sainz (William Gomes, 58′) e Samu (Luuk de Jong, 30′)

Suplentes não utilizados: Cláudio Ramos, Prpic, Deniz Gül e Francisco Moura

Treinador: Francesco Farioli

Golos: Froholdt (20′) e Pepê (47′)

Ação disciplinar: cartão amarelo a Diogo Costa (41′), Pablo (45+1′), Gabri Veiga (45+5′), Alan Varela (49′), Borja Sainz (56′) e Agustín Morales (64′)

O encontro começou com muita posse portista mas sem sinais de perigo junto das balizas, com os dragões a construírem pelo seguro a partir de trás à procura dos desequilíbrios no meio que pudessem depois soltar nas alas as unidades de apoio a Samu. Froholdt e Gabri Veiga iam em busca dos espaços, os laterais tentavam em paralelo criar superioridade numérica da frente, a organização defensiva do Gil Vicente nunca desmontava entre um par de cruzamentos intercetados para fora e uma tentativa de jogada individual de Borja Sainz a fazer a diagonal da esquerda para o meio que ficou também pela intenção. O primeiro remate até acabou por ser dos minhotos, com Bermejo a bater um livre direto por cima (17′), com os minutos a passarem sem que o FC Porto encontrasse os espaços para fazer a diferença que conseguira frente ao V. Guimarães.

Foi aí que apareceram num só lance os três reforços com mais “peso” do FC Porto numa das armas fortes que Farioli montou para esta temporada: as bolas paradas ofensivas. Na sequência de um canto à esquerda do ataque, Gabri Veiga colocou com o pé onde muitos não teriam tanta precisão com a mão, Bednarek levou consigo os porta-aviões contrários a par de Nehuén Pérez e Froholdt atacou a defesa à zona ao primeiro poste nas costa de Pablo para inaugurar o marcador (20′). Estava encontrado o desbloqueador que permitisse fazer uma outra capitalização do domínio completo em posse, com o segundo golo a ficar perto numa jogada de envolvimento pela direita entre Alberto Costa e Pepê com desvio por cima de Samu (23′) e num remate de pé esquerdo ao lado de Pepê num lance que começou no virtuosismo da dupla Gabri Veiga-Froholdt (26′). O Gil Vicente estava encostado às cordas, o FC Porto não conseguiu o K.O., a lesão de Samu abrandou o ritmo.

Até ao intervalo, não mais o FC Porto criou perigo. Por um lado, o Gil Vicente foi crescendo no jogo, subiu linhas, teve uma primeira ameaça num remate de Luís Esteves que saiu ao lado (33′), criou mais duas boas oportunidades depois por Buatu num lance cortado por Froholdt perto da linha (39′) e de novo por Luís Esteves numa segunda bola após canto que passou perto do poste (41′), e mostrou outra presença em campo aproveitando o afinar de peças jogando com Luuk de Jong como principal referência. Por outro, houve mais protestos do que “jogo” nos derradeiros minutos, com Diogo Costa e Gabri Veiga a verem amarelo depois de lances em que questionaram decisões de Ricardo Baixinho. Se os minhotos pretendiam ver esse momento prolongado por estarem por cima, os dragões quase esperavam que chegasse o intervalo.

Esse período de descanso fez bem aos dragões, não só pela forma como Farioli teve a oportunidade de fazer uma bola de saída que poderia ter criado mais perigo do que na verdade criou mas também pela maneira como bastou uma tentativa de ataque para chegar ao golo, com Zaidu a fazer um cruzamento atrasado após uma jogada de envolvimento na esquerda e Pepê a desviar de forma oportuna na área para o 2-0 (47′). Ainda faltava quase uma parte para o final do encontro mas esse seria o momento que iria definir o vencedor da partida, não só pelo golpe anímico que provocou no Gil Vicente mas também, ou sobretudo, pela injeção de confiança num FC Porto que nunca duvidou de si mas que perdeu-se em interrogações depois da saída do lesionado Samu, que ficou alguns minutos em lágrimas no banco consolado por… Rodrigo Mora.

O encontro foi perdendo motivos de interesse, sendo que as substituições podem ter melhorado a condição física das equipas mas nem por isso trouxeram um impacto direto naquilo que era o rendimento coletivo e individual até aí. Pablo ainda teve um desvio de cabeça após cruzamento da esquerda que saiu ao lado (71′) mas todos pareciam contar os minutos até ao final de uma partida há muito decidida e foi nesse contexto que apareceu em campo Rodrigo Mora, a ocupar de forma “direta” a posição que pertencia a Pepê quando se poderia pensar que iria trocar com William Gomes para jogar de pé invertido a partir da esquerda. O que se viu? Na direita, o 10 limitou-se quase a pressionar sem bola; quando foi para o meio descaindo até sobre a esquerda, teve um lance de génio que foi apenas travado por Andrew com uma defesa para a frente antes da última oportunidade flagrante do encontro, após assistência de Luuk de Jong, que saiu a rasar o poste.