A relação entre empresas e trabalhadores nem sempre decorre sem tensões, sobretudo em grandes cadeias de retalho onde a gestão de equipas e o cumprimento de procedimentos legais são fundamentais. Recentemente, um caso envolvendo a Mercadona e um gerente de uma loja chegou aos tribunais espanhóis e terminou com uma decisão que poderá servir de alerta para o setor.
O Tribunal Superior de Justiça da Andaluzia (TSJA) condenou a Mercadona a pagar uma indemnização de 77.205,60 euros a um funcionário despedido. Em causa esteve a falta de clareza da carta de demissão, que não especificava datas, testemunhas ou detalhes concretos, o que dificultou a defesa do trabalhador.
As denúncias que estiveram na origem do caso
De acordo com a revista portuguesa especializada em economia e negócios Executive Digest, o processo envolveu um gerente de turno de um supermercado da Mercadona em Málaga, identificado como “gerente B”. Em junho de 2023, a empresa recebeu duas denúncias anónimas através do canal interno “L900”, que acusavam o funcionário de linguagem ofensiva, alteração arbitrária de horários e atribuição de tarefas impossíveis de realizar.
As queixas incluíam comentários considerados desrespeitosos, como a resposta dada a uma colaboradora que pediu folga para ir ao ginecologista: “Por que tens de ir se tens uma ‘coceira seca’?”. Foram também relatadas expressões como “o que quer que saia de mim” e “o que quer que minha p… diga, nós fazemos aqui”. Perante estas acusações, a Mercadona considerou que o comportamento violava o acordo coletivo da empresa e avançou com o despedimento disciplinar, de acordo com a mesma fonte.
A defesa do trabalhador
O gerente não aceitou a decisão da Mercadona e recorreu ao Tribunal Social n.º 7 de Málaga. Alegou que a carta de demissão era demasiado vaga, sem factos concretos, o que inviabilizava a sua defesa. O tribunal deu-lhe razão, concluindo que a Mercadona não cumpriu os requisitos legais para um despedimento disciplinar válido.
O caso acabou por seguir para o Tribunal Superior de Justiça da Andaluzia, após recurso da empresa. O TSJA confirmou a decisão inicial, salientando que as denúncias anónimas não foram acompanhadas de provas sólidas e que o trabalhador não teve oportunidade de se defender adequadamente.
Decisão considerada exemplar
O tribunal classificou o despedimento como precipitado e desproporcional, obrigando a empresa a indemnizar o trabalhador. A decisão reforça a importância da transparência nos processos disciplinares e da necessidade de garantir ao trabalhador o direito de defesa. Apesar da condenação, a Mercadona ainda poderá recorrer para o Supremo Tribunal espanhol, que terá a última palavra sobre o caso.
Repercussões no setor
Este episódio levanta questões sobre a utilização de denúncias anónimas como base para processos disciplinares. Embora sejam uma ferramenta útil para identificar situações irregulares, exigem sempre provas concretas e a salvaguarda dos direitos do trabalhador acusado, refere a fonte acima citada.
Enquanto uma das maiores empregadoras do setor do retalho, a Mercadona tem vindo a destacar-se pela aposta na qualidade dos seus produtos, pela inovação na gestão e pela criação de postos de trabalho em Portugal e Espanha. Porém, este caso mostra que mesmo grandes empresas podem enfrentar desafios complexos na gestão das suas equipas, segundo a Executive Digest.
Mais sobre a Mercadona
Poucos sabem que a Mercadona começou como uma pequena empresa familiar em Valência, nos anos 70, ligada à venda de produtos alimentares a granel. O nome foi inspirado no italiano “mercatone”, que significa “grande mercado”. Hoje, é uma das maiores cadeias de supermercados da Península Ibérica, mas mantém como princípio fundador a proximidade com os clientes.
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