O biólogo venezuelano Carlos Alvarado, 34 anos, tem uma mão no pescoço do jovem crocodilo e outra na sua cauda. Com a ajuda de fita adesiva e um compasso, mede o animal, acompanhando o seu crescimento alguns dias antes de ser libertado na natureza. A história de Alvarado − e a do crocodilo-do-orinoco que está a cuidar − é uma história de esperança e persistência diante de esmagadoras adversidades.
Menos de 100 crocodilos-do-orinoco (Crocodylus intermedius) − um dos maiores répteis vivos do mundo, o maior predador da América do Sul e uma das dez espécies mais ameaçadas de extinção do mundo − permanecem na natureza, de acordo com a Fundação para o Desenvolvimento das Ciências Físicas, Matemáticas e Naturais (Fudeci, na sigla original), uma entidade venezuelana. O habitat natural do animal é a bacia do rio Orinoco, que cobre a maior parte da Venezuela e se estende até a Colômbia.
Durante décadas, os homens e mulheres do Grupo Especialistas em Crocodilos da Venezuela têm criado em cativeiro filhotes dessa espécie criticamente ameaçada, numa corrida contra o tempo para evitar a sua extinção.
No entanto, sentem que estão a perder essa corrida. Décadas de caça ilegal para obtenção de couro levaram o crocodilo-do-orinoco à beira da extinção, e agora os venezuelanos em dificuldades que caçam os animais para obter carne e pegam seus ovos para alimentação ameaçam dar o golpe final.
O Grupo Especialistas em Crocodilos enfrenta ainda os desafios da renovação geracional − grande parte da próxima geração de biólogos fugiu da turbulência na Venezuela em busca de empregos em outros lugares.
Um grupo de filhotes de crocodilo-do-orinoco criados em cativeiro antes de serem libertados na natureza, no rio Capanaparo
REUTERS/Gaby Oraa
Um biólogo sozinho com uma missão
Carlos Alvarado permanece sozinho para assumir o bastão, “uma grande responsabilidade”. Tem um sentido de missão e está a tentar convencer estudantes universitários a participar neste esforço de conservação.
Já Federico Pantin, 59 anos, não está optimista. É director do Zoológico Leslie Pantin, em Turmero, perto de Caracas, especializado em espécies ameaçadas de extinção e um dos locais onde os filhotes de crocodilo são criados. “Estamos apenas a adiar a extinção do Orinoco”, acredita. Pantin e os seus colegas continuam, no entanto, a trabalhar − investigam, medem e transportam os animais.
Os cientistas registam os locais onde se sabe que os crocodilos-do-orinoco-de-focinho-longo fazem os seus ninhos, recolhendo os seus ovos ou crias. Também criam adultos em cativeiro no parque zoológico e no Rancho Masaguaral, um centro de biodiversidade e quinta de gado perto de Tamarindito, no centro da Venezuela.
Os cientistas criam os filhotes, alimentando-os com uma dieta de frango, carne bovina e vitaminas até que tenham cerca de um ano de idade e atinjam cerca de seis quilos.
Um filhote de crocodilo-do-orinoco criado em cativeiro é solto na natureza no rio Capanaparo,Um filhote de crocodilo do Orinoco criado em cativeiro é solto na natureza no rio Capanaparo
REUTERS/Gaby Oraa ,REUTERS/Gaby Oraa
Picopando tem 70 anos
Os crocodilos-do-orinoco adultos podem atingir mais de cinco metros de comprimento e viver por décadas − há um espécime de 70 anos, chamado Picopando, que reside no Rancho Masaguaral. Os adultos têm uma armadura óssea resistente, mandíbulas ferozes e dentes afiados. Não se deve brincar com eles.
Quando nascem, contudo, os investigadores seguram as crias nas mãos, com alguma segurança.
No Zoo Leslie Pantin, o biólogo Omar Hernandez, director da Fudeci, marca a pequena pata de uma cria. Para salvar a espécie, explica, seriam necessários vários esforços, defende: investigação, protecção, educação e gestão.
“Estamos a fazer a gestão, recolhendo as crias, criando-as durante um ano e libertando-as”, assinala o investigador de 63 anos, lamentando: “Isso é praticamente a única coisa que está a ser feita. E não está a ser feita em grande escala.”
Álvaro Velasco, biólogo e presidente do Grupo de Especialistas em Crocodilos da Venezuela, mostra a imagem de um crocodilo do Orinoco tatuada no seu ombro
REUTERS/Gaby Oraa
200 crocodilos libertados por ano
Todos os anos, o grupo de investigadores solta cerca de 200 crocodilos juvenis na natureza. Os biólogos esperam até que completem um ano de idade, completando o período mais crítico da sua vida, explica Hernandez. É quando são jovens que “quase todos são caçados”.
Em Abril, a Reuters acompanhou os cientistas enquanto soltavam o lote deste ano. Os animais foram colocados em caixotes, com as mandíbulas amarradas, para a viagem do zoológico até o rio Capanaparo, no interior do oeste da Venezuela, não muito longe da fronteira com a Colômbia, onde há poucas habitações humanas. Esta parte do rio passa por terras privadas, reduzindo a probabilidade de os animais serem imediatamente caçados.
Álvaro Velasco, de 66 anos, tem uma tatuagem de um crocodilo do Orinoco no ombro direito. Presidente do Grupo de Especialistas em Crocodilos, Velasco cobre os olhos de uma cria para evitar que fique stressada durante a viagem.
Álvaro Velasco, biólogo e presidente do Grupo de Especialistas em Crocodilos da Venezuela, ajuda um crocodilo-do-orinoco a nascer do ovo ,Álvaro Velasco, biólogo e presidente do Grupo de Especialistas em Crocodilos da Venezuela, ajuda um crocodilo-do-orinoco a nascer do ovo
REUTERS/Gaby Oraa,REUTERS/Gaby Oraa
“As pessoas perguntam-me: ‘Porquê crocodilos? Eles são feios’”, conta. “Para mim, são animais fabulosos. Quando os soltamos, primeiro ficam lá, a olhar para nós, como se dissessem ‘O que devo fazer neste rio enorme?’. E depois acabam por nadar para longe.”
Os cientistas, crocodilos e voluntários viajam em camionetas por trilhas lamacentas até um acampamento perto do rio, onde os humanos vão passar a noite a dormir em redes. No dia seguinte, removem cuidadosamente os crocodilos das caixas e levam os animais até o rio. Os filhotes deslizaram para as águas lamacentas e esverdeadas.
“Talvez muitos desses animais sejam mortos amanhã ou depois de amanhã por causa da falta de consciência das pessoas e, claro, por causa da fome”, disse Hernandez, fazendo eco da pouca esperança de Federico Pantin, que prevê que o crocodilo-do-orinoco esteja já provavelmente condenado à extinção.
Mas, promete, “somos teimosos”. “É uma forma de atrasar a extinção e é algo que está ao nosso alcance fazer. Se esperássemos pelas circunstâncias perfeitas, elas nunca chegariam.”