Quando saiu da Arábia Saudita chegou a ser apontado ao Brasil, esteve (e está) na lista de Portugal, acabou por regressar à Arábia Saudita, assinou para rumar depois à Áustria, alterou depois os planos iniciais para passar pela Cidade do Futebol, fechou a preparação em Almería, rumou de seguida a Hong Kong. Jorge Jesus não teve qualquer experiência no estrangeiro nas primeiras três décadas de carreira como técnico mas, desde que saiu do Sporting no meio do tumulto da invasão à Academia em 2018, tornou-se quase um globetrotter entre Riade, Rio de Janeiro e Istambul. Sete anos depois, voltava à capital saudita com um novo desafio e a oportunidade de pela primeira vez treinar Cristiano Ronaldo no rival do Al Hilal, o Al Nassr.

Jesus assina pelo Al Nassr, quer dar (mais) títulos a Ronaldo mas assume um arrependimento recente na carreira

“Não podia rejeitar este convite, que partiu do novo CEO, do [José] Semedo [diretor técnico e CEO interino] e, como é óbvio, do Ronaldo. Não podia rejeitar porque queria ficar na Arábia Saudita, uma vez que já não estava no Al Hilal. Volto a dizer, fui muito bem tratado no Al Hilal, por todos os fãs e por toda a gente, mas agora é outra vida, vida nova e a ideia é exatamente fazer com que o Al Nassr volte a conquistar títulos, porque não o faz há vários anos”, voltou a reforçar o técnico português na antecâmara do primeiro encontro oficial da temporada, num prolongamento daquilo que já tinha referido quando rumou a Riade para assinar.

Essas eram as duas grande notas desta nova aventura. É certo que a possibilidade de orientar o capitão da Seleção pesou mas, em paralelo com isso, Jorge Jesus apostava forte nesse cenário que recolocar o Al Nassr a vencer títulos como não aconteceu desde que Ronaldo chegou à Arábia Saudita, onde ganhou apenas a Taça dos Campeões Árabes. A Supertaça surgia como primeira hipótese de cumprir esse objetivo, com um primeiro duelo de peso nas meias-finais em Hong Kong frente ao campeão Al Ittihad de Danilo Pereira. “À partida vamos sair em desvantagem mas pode ser que cheguemos ao fim em vantagem e é por isso que estamos a preparar-nos. Queremos ter a equipa num nível competitivo, que possa já dar uma boa imagem e passar à final, que é o grande objetivo”, apontara o técnico português antes dessa primeira meia-final de uma prova que não contava com o Al Hilal, que prescindiu da participação após ter estado no Mundial de Clubes.

Era um duelo de estrelas, sem que nenhum dos técnicos fizesse qualquer tipo de poupança. Laurent Blanc, francês que ganhou o título na última temporada, jogava de início com Benzema, Bergwijn, N’Golo Kanté, Fabinho, Aouar, Diaby, Danilo Pereira ou Mitaj. Jorge Jesus, que na pré-temporada somou quatro vitórias e duas derrotas, apostava em Cristiano Ronaldo, João Félix, Sadio Mané, Kingsley Coman (acabado de chegar e com apenas um treino conjunto), Brozovic, Iñigo Martínez, Simakan ou Bento. Grande diferença? Se o Al Ittihad mantinha a base de sucesso da última época, o Al Nassr estava a construir uma nova estrutura.

Era esse o principal desafio de Jorge Jesus, que foi apostando sempre em conjuntos de tração à frente com dois\três médios de características ofensivas com uma linha defensiva subida que projetasse mais a equipa no plano ofensivo: encontrar equilíbrios coletivos que permitissem sustentar a equipa sem bola. E foi num contexto de contrariedade, após a expulsão de Sadio Mané com vermelho direto, que o técnico acabou por ver a melhor versão de João Félix. Se na estreia pelo Al Nassr falou de um jogador “fora dela”, agora o internacional de 25 anos mostrou que está apostado em ganhar uma segunda vida na carreira após passagens sem o sucesso desejado por Atl. Madrid, Chelsea e AC Milan, sacrificando-se muitas vezes em missões mais defensivas descaído sobre a esquerda sem se “esconder” na hora de atacar as transições e a profundidade. Entre um evidente desgaste físico, o avançado foi um dos principais destaques da qualificação do conjunto de Riade para a decisão da Supertaça, onde terá pela frente o vencedor do jogo entre Al Ahli e Al Qadsiah.

Foi preciso pouco mais de 15 minutos para se perceber que seria um encontro partido, com criação de várias oportunidades e a projeção de muitos golos para ambos os conjuntos. O primeiro, que não aconteceu quase por milagre, podia ter surgido na sequência de um erro crasso de Bento numa reposição de bola com os pés que só não trouxe mais problemas porque o remate de Benzema saiu ao lado (5′). Não foi aí, foi pouco depois: Sadio Mané inaugurou o marcador com um desvio de primeira na área após cruzamento tenso de Brozovic da esquerda (10′), Bergwijn fez o empate sozinho na área depois de uma grande assistências de Diaby que criou o desequilíbrio nas costas da defesa contrária (16′). Melhor arranque era impossível mas o Al Nassr iria sofrer de seguida um golpe anímico mais complicado do que o 1-1 que marcaria o resto da partida.

Num lance na área que estava perdido pela boa cobertura de Danilo Pereira, Sadio Mané atingiu de forma violenta o guarda-redes Hamed Al-Shanqiti e acabou por ser expulso com vermelho direto, deixando a equipa de Jesus reduzida a dez a meio da primeira parte (25′). O técnico português, que contestou a decisão a par de Ronaldo, agarrava no quadro para reorganizar a equipa mas era o Al Ittihad que passava a ter o controlo da partida… até à paragem para hidratação: com João Félix a assumir maior protagonismo nas saídas em transição, o Al Nassr até teve dois bons momentos por Ronaldo (o último de livre direto, que saiu forte mas por cima) e só mesmo no último minuto de descontos Benzema ameaçou para defesa de Bento (45+5′).

Esperava-se um Al Ittihad melhor no recomeço, viu-se um Al Nassr cada vez mais confortável no recomeço. Aproveitando a falta de velocidade e a construção previsível do conjunto de Jeddah, a equipa de Riade teve o mérito de manter sempre uma organização defensiva muito coesa a olhar para os movimentos a explorar a profundidade dos três elementos mais ofensivos. Foi assim que chegou o 2-1, num lance em que Ronaldo saiu no limite do fora de jogo para assistir João Félix isolado (61′). Foi assim que ainda houve um 3-1 anulado, em mais uma jogada em que Ronaldo e Félix estiveram envolvidos na recuperação de bola em zona adiantada antes do remate sem hipóteses do jovem avançado que não contou por uma falta anterior do capitão sobre Fabinho (68′). Mesmo a jogar em superioridade numérica, o Al Ittihad nunca foi capaz de mostrar argumentos para chegar no mínimo ao empate e foi o Al Nassr que carimbou a passagem à final.