A primeira quinzena de Agosto trouxe um “aumento excepcional” das emissões de incêndios florestais em Espanha e Portugal, revela uma análise do programa europeu de monitorização do clima e atmosfera Copérnico divulgada esta terça-feira. Os incêndios na Península Ibérica provocam as maiores emissões de CO2 em Espanha desde 2003. Em Portugal, os valores das emissões não quebraram esse recorde, mas já são o dobro da média do período entre 2003 e 2024.
O gráfico dos especialistas desenha uma óbvia linha recta de aumento abrupto das emissões de CO2 em Espanha e em Portugal, claramente associada à série de incêndios devastadores que se acenderam na Península Ibérica durante a primeira quinzena de Agosto. As previsões do Serviço de Monitorização da Atmosfera do Copérnico (CAMS, na sigla em inglês) mostraram um aumento claro de partículas finas PM2,5 na superfície, relacionadas com o fumo destes incêndios, com concentrações bem acima dos níveis normais.
Os dados relativos a Portugal sobre o “total acumulado estimado das emissões de carbono provenientes de incêndios florestais” até 18 de Agosto, mostram uma linha vermelha que sobe de forma íngreme a partir do início deste mês. No gráfico do Sistema Global de Assimilação de Incêndios (GFAS) do CAMS, é possível perceber que, neste momento, o ano de 2025 já é o quarto ano com mais emissões em Portugal decorrentes de incêndios florestais.
Total acumulado estimado das emissões de carbono provenientes de incêndios florestais em Portugal, de 1 de Janeiro a 18 de Agosto de 2025 (linha vermelha). A linha preta representa a média de 2003-2024 e as linhas cinzentas pontilhadas representam as emissões em cada um dos anos anteriores
CAMS/ECMWF
Numa breve resposta ao Azul, Francesca Di Giuseppe, investigadora do Centro Europeu para as Previsões Meteorológicas a Médio Prazo (ECMWF, na sigla em inglês) do Copérnico, escreve que “as emissões dos actuais incêndios em Portugal são estimadas pelo CAMS como sendo dez vezes superiores à média sazonal”.
Tudo mudou em poucos dias
No início do mês, descreve a equipa do Copérnico, as emissões acumuladas de carbono dos incêndios florestais em Espanha estavam abaixo da média sazonal, apesar de vários incêndios activos. “No entanto, em apenas alguns dias, uma actividade de incêndios sem precedentes em várias regiões elevou as emissões totais de incêndios florestais do país para 2025, tornando-se o total anual mais elevado nos 23 anos do conjunto de dados do CAMS”, resume o comunicado dos investigadores.
As emissões dos incêndios florestais em Espanha e Portugal durante o mês de Agosto foram “excepcionais”, descreve Mark Parrington, cientista sénior do Serviço de Monitorização da Atmosfera Copérnico, citado na nota de imprensa. “Em apenas 7-8 dias”, relata o investigador, o crescimento das emissões totais “atingiu o total anual mais alto para Espanha nas duas décadas do conjunto de dados de emissões de incêndios florestais do CAMS”.
Total acumulado estimado das emissões de carbono provenientes de incêndios florestais em Espanha, de 1 de Janeiro a 18 de Agosto de 2025 (linha vermelha). A linha preta representa a média de 2003-2024 e as linhas cinzentas pontilhadas representam as emissões em cada um dos anos anteriores CAMS/ECMWF
CAMS/ECMWF
As grandes quantidades de fumo libertadas para a atmosfera, e especialmente as partículas PM2,5, resultaram numa “degradação grave da qualidade do ar a nível local e mais além, em toda a Península Ibérica e partes de França”, explica Parrington, citado na nota de imprensa.
A viagem do fumo
Os especialistas mostram o impacto dos incêndios florestais que continuaram durante as primeiras semanas de Agosto no Norte de Portugal, “com um grande incêndio adicional a desenvolver-se no centro de Portugal nos últimos dias”. As previsões do Serviço de Monitorização da Atmosfera do Copérnico (CAMS) mostram um “aumento claro” das partículas finas PM2,5 na superfície relacionado com o fumo destes incêndios, com concentrações bem acima dos níveis normais. “O fumo dos incêndios na Península Ibérica atravessou a França, o Reino Unido e chegou à Escandinávia, juntando-se ao fumo dos incêndios florestais canadenses que atravessaram o Atlântico”, adianta o comunicado de imprensa.
O retrato destaca a Península Ibérica. Assim, a análise mostra que “várias regiões no noroeste de Espanha, incluindo Castela e Leão, Galiza, Astúrias e Estremadura, foram fortemente afectadas pelos recentes incêndios florestais”. Milhares de residentes foram obrigados a abandonar as suas casas, muitas estradas permanecem fechadas e importantes ligações de transporte, como a linha ferroviária Madrid-Galiza, foram interrompidas.
As observações do CAMS e da rede espanhola de monitorização da qualidade do ar mostram uma deterioração da qualidade do ar numa grande região da Espanha, com concentrações de partículas finas PM2,5 “bem acima das directrizes de qualidade do ar da Organização Mundial da Saúde” (que é uma média de 24 horas de 15 μg/m3 para PM2,5). O fumo espalhou-se por centenas de quilómetros, “reduzindo a qualidade do ar muito além das zonas imediatas do incêndio”.
Análise sai da Península Ibérica
E a nuvem tóxica terá viajado para bem longe. “O fumo dos incêndios na Península Ibérica atravessou a França, o Reino Unido e chegou à Escandinávia, juntando-se ao fumo dos incêndios florestais canadenses que atravessaram o Atlântico”, revelam os investigadores.
Aproveitando a visita a outros territórios à boleia do fumo emitido em Portugal e Espanha, a análise regista que, “em França, o calor extremo manteve um risco de incêndio muito elevado”. A 4 de Agosto, um grande incêndio florestal desenvolveu-se entre Carcassonne e Perpignan: “Foi o pior incêndio no Mediterrâneo francês em meio século.”
Passando para o outro lado do Atlântico, os cientistas aproveitam ainda para notar que a América do Norte também está a sofrer uma actividade de incêndios generalizada. “No Canadá, as províncias de Saskatchewan e Manitoba continuam a ser as mais afectadas, com 2025 já a figurar como a segunda temporada de incêndios mais grave do país desde 2023. Nos EUA, os incêndios em Nevada, Arizona, Utah e Colorado continuam desde Julho, produzindo grandes nuvens de fumo.” E essas nuvens distantes podem fazer a longa travessia até à Europa, afectando a Península Ibérica
“À medida que as condições de calor e seca no sul da Europa e na América do Norte continuam, o CAMS continuará a monitorizar a escala e a propagação dos incêndios florestais, fornecendo informações vitais para apoiar as medidas de preparação e resposta”, asseguram os investigadores.