Pesquisadores realizaram testes inéditos com dispositivos de levitação autônoma movidos a luz solar em condições de quase vácuo, semelhantes às encontradas na parte superior da atmosfera terrestre. Esta descoberta promete abrir novas possibilidades para a ciência atmosférica.
Os dispositivos, que são compostos por membranas leves feitas de óxido de alumínio e uma camada de cromo, exploram o fenômeno denominado fotófora. Este efeito ocorre quando um lado do material se aquece mais que o outro, fazendo com que moléculas de gás que colidem com o lado mais quente impulsionem a membrana para cima. No entanto, essa ação é extremamente sutil e só pode ser observada em ambientes de baixa pressão, como os encontrados nas proximidades do espaço.
O experimento recente, detalhado em um artigo publicado na revista Nature, demonstrou que partículas de 1 centímetro conseguiram flutuar em uma câmara de vácuo ao serem expostas a uma luz com intensidade equivalente a 55% da luz solar natural.
Ben Schafer, autor principal do estudo e pesquisador da Harvard John A. Paulson School of Engineering and Applied Sciences (SEAS), afirmou: “Esse resultado é significativo, pois demonstra que essa tecnologia funciona nas mesmas condições presentes na alta atmosfera”.
Schafer acrescentou que a região conhecida como ignorosfera é muitas vezes ignorada porque não há aeronaves capazes de operar ali, nem instrumentos nos satélites em órbita baixa da Terra. O envio de dispositivos para essa área permitiria coletar dados muito mais precisos do que os métodos atualmente disponíveis.
Ignorosfera
A ignorosfera abrange a mesosfera — camada da atmosfera terrestre situada entre 50 e 85 quilômetros de altitude — além de uma parte da termosfera até 160 quilômetros. Esse espaço é inacessível para aeronaves e está abaixo do alcance dos satélites. Atualmente, apenas foguetes sonda realizam medições esporádicas nesta região pouco compreendida.
A ignorosfera forma uma transição entre a atmosfera da Terra e o espaço exterior. Quando ocorrem ejeções de massa coronal, grandes expulsões de plasma carregado do Sol, grande parte da energia é depositada nessa área. Fenômenos aurorais e trocas energéticas que causam tempestades geomagnéticas também acontecem nesse espaço, afetando redes elétricas e satélites. Além disso, é onde os satélites queimam durante a reentrada e onde a poluição resultante se acumula.
Schafer enfatizou a importância de obter dados precisos sobre ventos, temperaturas e pressões nesta região, afirmando: “Isso aumentaria significativamente a precisão dos modelos climáticos globais existentes”.
Dispositivos
Com o intuito de avançar nesse campo, Schafer e sua colega Angela Feldhaus fundaram uma empresa chamada Rarefied Technologies. O objetivo da startup é realizar experimentos atmosféricos realistas utilizando esses dispositivos na expectativa de comercializá-los.
Para elevar sensores miniaturizados e antenas à ignorosfera, as membranas precisariam ser ampliadas para cerca de 6 centímetros. “Seria um disco capaz de levar cerca de 10 miligramas ao espaço próximo”, explicou Schafer.
Os dispositivos seriam liberados a partir de um balão estratosférico localizado a aproximadamente 50 quilômetros da superfície terrestre. A partir daí, eles se auto-propeliriam para altitudes superiores a 100 quilômetros durante o dia. À noite, os dispositivos desceriam na atmosfera; no entanto, se fossem leves o suficiente, não retornariam completamente à Terra e se elevariam novamente após o nascer do sol.
A fotófora foi descoberta no século 19 mas só recentemente ganhou atenção devido aos avanços em ciência dos materiais e tecnologias de nanofabricação. Inspirados por um trabalho teórico do professor David Keith, os pesquisadores consideram que membranas reflexivas movidas pela fotófora podem ser utilizadas como uma intervenção geoengenharia para reduzir as temperaturas da Terra caso as emissões de carbono não sejam contidas.
Keith supervisionou o trabalho de Schafer até 2023 e comentou: “Esta é a primeira vez que alguém demonstra que é possível construir estruturas fotofóricas maiores e fazê-las voar na atmosfera”. Ele ressaltou que isso abre um novo tipo de dispositivo: passivo, movido por luz solar e ideal para explorar nossa alta atmosfera.
Segundo o ‘Live Science’, Schafer acredita que essa tecnologia pode ter diversas aplicações adicionais. Por exemplo, poderia auxiliar no estudo da tênue atmosfera marciana ou até mesmo competir com as megaconstelações de satélites Starlink da SpaceX no fornecimento de internet via satélite.
“Se colocássemos pequenos pacotes de comunicação nesses dispositivos na mesosfera, poderíamos rivalizar com as taxas de dados das constelações em órbita baixa”, afirmou Schafer. No entanto, ele reconheceu que os dispositivos ainda precisam ser significativamente mais leves e maiores para suportar cargas úteis adequadas para comunicação e navegação estável sobre pontos fixos na Terra.