Na semana passada a imagem era bem diferente: primeiro Montenegro a apanhar sol na praia, depois Montenegro de camisa branca e pele bronzeada, a discursar na Festa do Pontal, seguido de copos de gin e bailaricos. Esta semana, um Montenegro sério, de expressão fechada, aparecia na Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil, e logo depois no funeral do bombeiro que morreu na Covilhã. Em rigor, Montenegro só passou quatro dias de férias, tendo mesmo assim falado recorrentemente ao país sobre os fogos — mas a perceção de ausência estava criada. Nas redes sociais do primeiro-ministro sucediam-se comentários perguntando-lhe pelas “bolas de berlim” ou pela “água fresquinha da Praia do Ancão” e ordenando: “Mexa-se!”. Só havia uma solução: Montenegro tinha de tomar, e rápido, conta da ocorrência.

Não é que um primeiro-ministro possa tomar, em rigor, conta da ocorrência, recorda-se e justifica-se no Governo: convém que se mantenha afastado do terreno, para não atrapalhar as operações (como aconteceu nos fogos de 2017), e que tome decisões com base em critérios técnicos. Mas a imagem de ausência de comando político, sendo mais ou menos justa, e de atraso nas decisões que se impunha tomar foi ganhando terreno enquanto as imagens de habitantes e autarcas desesperados invadiam as televisões. E o Governo passou do modo “discreto” em que dizia estar a atuar para o modo presente e justificativo — com Montenegro a tomar a dianteira e a tentar apresentar-se como um comandante político a liderar um país num momento dramático, em vez de um alvo a abater.

A ideia não era, inicialmente, que Montenegro cancelasse as férias — seria, como está previsto na hierarquia do Governo, substituído até dia 22 de agosto pelo ministro de Estado e Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, enquanto o Executivo mantinha a esperança de que os fogos que assolam o país pudessem ser dominados sem danos de maior. Até porque no combate aos incêndios há uma regra tácita: primeiro salvam-se as pessoas, depois as casas, depois o resto dos bens e terrenos. Apesar da grande área de mata ardida (Portugal é o país com uma extensão maior na UE), a situação não era considerada tão grave que exigisse uma maior atenção do primeiro-ministro, que mesmo de férias estaria a acompanhar o desenvolvimento dos fogos.

Mas a situação, que Montenegro já veio justificar com a “severidade meteorológica sem registo” dos últimos 24 dias, não acalmou e levou mesmo a duas mortes. O clima político à volta do problema tornava-se cada vez mais pesado. “Ao contrário de todos os outros, conheço bem isto porque ia substituir o primeiro-ministro”, contava mais em detalhe o ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, esta segunda-feira, em entrevista à SIC Notícias. “Havia uma expectativa de que se conseguisse ter outro desenlace nos fogos, não foi possível e [o primeiro-ministro] imediatamente regressou das suas férias. Esteve sempre ao comando das operações nas férias”.

Quem acompanhou o processo por dentro insiste que a preparação no Governo já existia e ia muito além da presença do Governo. “O governo, ainda antes dos fogos mais críticos, anunciou um conjunto de medidas de apoio, designadamente aos agricultores e produtores. Esteve sempre em contacto com os responsáveis pela proteção civil e combate aos fogos, tendo respeitado as normas de fazer prevalecer nesta fase a competente operacional“, ouve o Observador. Outro argumento é que, “ao contrário do sugerido”, o primeiro-ministro tem uma “especial sensibilidade para este drama” e conhece bem os temas da floresta e da coesão — “foi por isso que já em março apresentou o Plano para as Florestas 2025-2050. A grande maioria dos que o criticam agora nem se deram conta do conteúdo e alcance desse plano”.

Ao que apurou o Observador, o Governo tem neste momento vários elementos a fazer “levantamentos de prejuízos” e a trabalhar em “respostas rápidas que serão conhecidas brevemente” para ajudar as pessoas afetadas. Já esta terça-feira à tarde, o Executivo fazia uma tentativa de mostrar coesão e, ao mesmo tempo, serviço: os ministérios da Economia e Coesão Territorial e da Agricultura e do Mar emitiam um comunicado conjunto para dizer que estão “desde o primeiro dia” a fazer os levantamentos necessários, através das CCDR Centro e Norte e da Direção-Geral da Alimentação e Veterinária, e com presença “constante no terreno”.

O texto fazia a defesa da atuação do Executivo: prometia que o Governo vai “ajudar rapidamente as populações, agricultores, produtores, empresários e os que sofreram perdas e prejuízos” e citava ambos os ministros — “queremos que os apoios cheguem rapidamente às populações atingidas em boa articulação com as autarquias
locais”, dizia Manuel Castro Almeida, citado no texto; “desde o primeiro dia, estamos no terreno a avaliar os prejuízos e a garantir apoio concreto, assegurando recursos, proteção para os animais e assistência para que a recuperação seja possível e rápida”, corroborava José Manuel Fernandes.

Entretanto, Marcelo Rebelo de Sousa ia adiantando trabalho e recebia, já esta semana, a Liga dos Bombeiros — que voltará ao Palácio de Belém na próxima semana com propostas concretas, assim como queixas que também quer transmitir ao Governo. Do lado dos sociais democratas relativiza-se a intervenção do Presidente, garantindo-se que a relação entre palácios continua “impecável”. E Marcelo acabava por dizer aos jornalistas que admite que a ministra da Administração Interna, recém-chegada ao cargo, ainda esteja a “descobrir os problemas” — e por isso, deixava no ar, a cometer erros.