E se em vez de, nas eleições legislativas, o eleitor ter um boletim de voto para escolher o seu partido preferido no seu círculo eleitoral, e passar a usar dois, sendo um deles para o seu círculo mais próximo e outro para um círculo regional? Essa é uma das propostas que será debatida no âmbito do projecto “Renovar o sistema eleitoral, Reformar a democracia“, cujo objectivo é apresentar uma iniciativa legislativa de cidadãos na Assembleia da República dentro de um ano para rever o sistema eleitoral parlamentar. Para discutir essa proposta e recolher as 20 mil assinaturas para chegar ao plenário da AR, o projecto lançou neste sábado um site informativo sobre o sistema eleitoral português em https://www.reformarosistemaeleitoral.com.
A proposta alternativa poderá ser a criação de um círculo de compensação nacional que aproveite os cerca de 700 mil votos que não elegem qualquer deputado em todos os círculos, como existe nas legislativas regionais açorianas, e que partidos como a IL, Bloco e Livre já propuseram no Parlamento. Mas Paulo Trigo Pereira, ex-deputado, presidente do think tank académico IPP – Institute of Public Policy e coordenador do projecto com a investigadora Sofia Serra-Silva, afirma que esta solução, “embora aumente a proporcionalidade, também aumenta a fragmentação parlamentar, e esse cenário gera maior instabilidade política e, portanto, maior ingovernabilidade”. O académico lembra o caso de Israel, que “tem um círculo nacional por onde são eleitos pequenos partidos ultra-radicais de direita que sustentam o Governo de Netanyahu”.
Por isso, Trigo Pereira aposta antes na versão que prevê a agregação de diversos círculos uninominais, como os de Beja, Évora e Portalegre, num círculo maior plurinominal designado Alentejo, a par de outro para a Beira Interior (Guarda, Castelo Branco e Covilhã) e ainda o do Nordeste (Bragança, Chaves e Vila Real), e também a separação dos actuais de Lisboa e Porto em três ou quatro mais pequenos.
“Agregar círculos (que hoje replicam os distritos) no interior obriga-os a falar politicamente entre si, ganhando uma representação política mais forte”, aponta o coordenador do projecto. Que acrescenta que os cidadãos conhecerão melhor o “seu” deputado do círculo mais próximo (ou seja, aproxima eleitos de eleitores), e que os candidatos terão que ter mais qualidade porque aumenta a competição. Não há qualquer intenção de propor a redução do número total (230) de deputados, mas apenas alguma redistribuição dos círculos maiores para os mais pequenos.
Paulo Trigo Pereira argumenta que “o sistema eleitoral é muito injusto no interior do país, onde os círculos têm muito poucos deputados [Portalegre tem apenas dois; Beja, Évora, Guarda e Bragança três], o que obriga os eleitores a fazerem voto útil ou o seu voto é desperdiçado. Em Lisboa e Porto, há oito partidos com possibilidade quase certa de eleger com cerca de 1% dos votos.” “Isso é discriminar os cidadãos em função do território onde vivem”, aponta.
O projecto, que conta ainda com os investigadores Manuel Meirinho, do ISCSP, e Marco Lisi, da FCSH da Nova, criou há um ano o Manifesto para a Reforma do Sistema Eleitoral e o site agora lançado pretende ser uma ferramenta de literacia sobre o sistema eleitoral português com informação sobre o seu funcionamento, que poderá ser usado também pelas escolas, e uma biblioteca online de estudos sobre o tema. “Era muito útil, no médio prazo, colocar informação sobre isto numa disciplina de Cidadania”, realça Paulo Trigo Pereira. E pretende ainda ser o agregador dos contributos de cidadãos para a discussão e reunir as 20 mil assinaturas necessárias para levar o projecto de lei ao Parlamento.