É uma imagem que me acomete sempre. Elvis Presley em “No Paraíso do Havaí”, cantando para uma garota: “Você coça as minhas costas/ depois eu coço as suas”. Saudável recordação da antiga Sessão da Tarde, não fosse a urticária que na semana passada me converteu num Fofão fêmea da Carreta Furacão, alterando de vez a minha fantasia sobre um coça-coça.
Horrorizada com o inchaço da minha cara ao espelho, baixei numa emergência dermatológica deparando-me com novas referências audiovisuais. A começar pela geolocalização que, veja você, aceitava meu plano: o Leblon das novelas do Manoel Carlos. Não o bairro carioca em si, mas o quarteirão que serviu de cenário para tantas Helenas comentarem o absurdo dos preços no hortifruti de suas tramas. Aliás, leitor quiçá telespectador, guarde esta palavra, “hortifruti”.
Aguardei atendimento numa sala de espera com vista deslumbrante para o mar, assistindo a uma inescapável reprise de Regina Duarte num girovisão com “História do Amor”. Lembrei também da protagonista em sua “skin” de Vera Fischer, dando perdido nos pacientes da clínica estética de “Laços de Família”. Tive sorte, no entanto. A mocinha daquele plantão me recebeu sem percalços cenográficos.
“Cheirou alguma coisa?” Por quem me tomas, doutora. “Comeu algo diferente?” Morangos. Estão na época. “Do amor?” Não, sou intolerante a “trends” do TikTok. “Viajou pra fora? Europa tem muito pólen floral.” Arrã, tive asma na França. “Pode ser isso, então. É comum dar reação cruzada com frutas e legumes, sabe?” Não sabia, mas agora sei. Ao problematizar itens do hortifruti, ironicamente descobri uma alergia à burguesia. As férias parceladas no Grand Monde. Testando positivo para pólen e morango, mas negativo para Helena do Manoel Carlos.
Sem qualquer tipo de prurido social, estendi a notícia da nova ziquizira a amigos da TV e da mesma seguradora de saúde, atinando que a maioria deles frequenta a tal clínica. “Um luxo ir lá!”, exclamaram, como se cada eczema fosse um presente do Maneco.
Ao final do capítulo que foi essa experiência, comprovei que meu sistema é imunológico, mas também ideológico. Já pensou? Turistar campos de lavanda, mas espirrar no próprio quintal? Vira para lá esse nariz. Que tipo de vida real eu teria hoje, não houvesse descido de papelão tantas rampas repletas de gramínea nacional? Mais do que alergia de toque, essa alergia foi um toque. Então faz favor, dona Helena, pega lá meu antialérgico.
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