Um empresário de tecnologia da China revelou que a sua empresa está a desenvolver um robô humanoide concebido para simular uma gravidez, com um protótipo que poderá chegar ao mercado já no próximo ano. A proposta surge numa altura em que o país enfrenta um declínio acentuado da taxa de natalidade e procura novas formas de responder ao envelhecimento da população.
Zhang Qifeng, fundador da Kaiwa Technology, sediada em Cantão, afirmou que a ideia nasceu para dar resposta a dois fenómenos sociais emergentes: a diminuição da vontade de constituir família e o aumento das dificuldades de conceção. “Algumas pessoas não querem casar mas ainda assim desejam uma ‘esposa’; outras não querem engravidar mas querem ter filhos. Uma das funções da nossa ‘robô esposa’ é poder levar a cabo uma gravidez”, explicou o empresário em entrevista ao portal tecnológico Kuai Ke Zhi.
A China tem investido fortemente em robótica para compensar a redução da sua força de trabalho. O país é já líder mundial em número de robôs industriais per capita e este ano organizou em Pequim os primeiros Jogos Mundiais de Robôs Humanoides. Paralelamente, a taxa de infertilidade subiu de 12% em 2007 para 18% em 2020, segundo um estudo publicado na revista científica The Lancet, afetando um em cada 5,6 casais em idade reprodutiva.
Neste contexto, Zhang acredita que a tecnologia pode contornar as limitações impostas pela lei chinesa, que proíbe a prática de barrigas de aluguer. “Queremos integrar uma câmara de gestação num robô humanoide e criar um útero artificial que permita desenvolver uma gravidez completa de forma ‘normal’”, disse.
Como funcionaria o “robô de gravidez”
De acordo com o empresário, o projeto já se encontra “num estágio maduro” de desenvolvimento. O sistema incluiria um útero sintético capaz de manter a gestação durante cerca de 10 meses, com nutrientes fornecidos através de um tubo ligado ao cordão umbilical. Zhang comparou o conceito a experiências realizadas em 2017 por investigadores do Hospital Infantil da Filadélfia, que usaram um “biobag” com fluido amniótico artificial para manter cordeiros prematuros vivos durante várias semanas.
O protótipo deverá custar cerca de 100 mil yuan (aproximadamente 14 mil euros), um valor equivalente a metade do salário médio anual em Pequim.
Especialistas levantam dúvidas éticas e científicas
As declarações de Zhang rapidamente se tornaram virais na rede social Weibo, gerando milhares de comentários. Muitos utilizadores mostraram curiosidade pelo potencial da tecnologia, mas também levantaram dúvidas quanto à viabilidade científica e às implicações éticas do projeto.
Especialistas internacionais têm partilhado reservas. “A gravidez é um processo extremamente complexo, em que cada etapa é delicada e crítica”, afirmou Yi Fuxian, obstetra da Universidade de Wisconsin–Madison e investigador em demografia, em declarações à Newsweek. Para o médico, a proposta de Zhang “provavelmente não passa de um artifício” e comporta “muitos riscos de saúde e éticos”, mesmo que viesse a ser tecnicamente viável.
Yi sublinhou que experiências em animais, como a dos cordeiros em incubadoras artificiais, não são um bom indicador para seres humanos, cuja longevidade levanta desafios adicionais. “Muitos riscos de saúde surgem em diferentes fases da vida, para não falar de potenciais problemas de saúde mental”, alertou.
Zhang confirmou que tem mantido contactos com autoridades da província de Guangdong, mas não é claro se o projeto poderá ser aprovado para comercialização. O Ministério dos Negócios Estrangeiros da China não respondeu até ao momento a pedidos de comentário.
Enquanto o debate continua, a proposta da Kaiwa Technology coloca em cima da mesa uma questão central: será este um avanço inovador para enfrentar a crise demográfica da China, ou apenas mais um produto controverso que levanta dilemas éticos e científicos de difícil resposta?