Os investidores no sector do hidrogénio verde estão a cancelar projectos e a reduzir investimentos em todo o mundo, aumentando a perspectiva de uma dependência mais longa do que o previsto dos combustíveis fósseis.

Os desafios enfrentados pelo sector mostraram que as ambições iniciais eram irrealistas. Indústrias difíceis de electrificar que eram vistas como candidatas ideais para o hidrogénio verde, como a siderurgia e o transporte de longa distância, descobriram que a transição para o combustível de baixo carbono parece ser proibitivamente cara.

A diferença entre ambição e realidade na Europa torna-se clara ao olhar para a extensão da reestruturação que está a ocorrer dentro da indústria, descreve Jun Sasamura, gestor de hidrogénio da empresa de investigação Westwood Global Energy.

O hidrogénio verde era uma expectativa exagerada que se transformou num vale de desilusão



Miguel Stilwell d’Andrade, CEO da EDP



Apenas um quinto dos projectos de hidrogénio renovável planeados em toda a União Europeia deverão entrar em funcionamento até ao final da década, refere o gestor e investigador. Isso equivale a cerca de 12 Gigawatts de capacidade de produção, por comparação à meta da União Europeia de 40 GW, mostram os dados da Westwood Global Energy.

“Considerando a situação actual, não vejo de facto a meta da União Europeia para 2030 [de produção de hidrogénio] a ser alcançada”, acrescenta Jun Sasamura.

Expectativas exageradas

As empresas afirmam que os custos elevados e a falta de procura por hidrogénio verde tornaram muitos planos pouco rentáveis.

“O hidrogénio verde era uma expectativa exagerada que se transformou num vale de desilusão”, diz Miguel Stilwell d’Andrade, director executivo da EDP.

“O que falta é a procura. Existem 400 milhões de euros em subsídios para o hidrogénio em Espanha e Portugal, mas precisamos de alguém que compre o hidrogénio”, refere o CEO da empresa portuguesa de energia.

A EDP tem vários projectos em fase avançada, mas não pode progredir devido à falta de compradores, afirma Ana Quelhas, directora de hidrogénio da EDP e co-presidente da Renewable Hydrogen Coalition.

Do outro lado da fronteira, a espanhola Iberdrola arquivou os planos de aumentar a capacidade da sua fábrica de hidrogénio verde com capacidade de electrólise de 20 MW até encontrar compradores para a produção adicional, explicou o director de hidrogénio verde da empresa, Iban Molina, num evento sobre energia em Madrid.


Um quinto dos projectos europeus adiados

Estas empresas estão entre mais de uma dúzia de grandes empresas que reduziram gastos ou suspenderam projectos na Europa, Ásia, Austrália e outros lugares nos últimos anos.

As empresas cancelaram ou adiaram mais de um quinto de todos os projectos europeus até ao final do ano passado, adianta a Westwood Global Energy.

“Em 2020-2021, tínhamos essa visão do hidrogénio e de como ele seria usado em quase todos os sectores que ainda não tinham sido electrificados”, explica ainda Emma Woodward, da Aurora Energy Research.

“Agora percebemos que existem outras alternativas, provavelmente mais viáveis comercialmente, para muitos sectores. Talvez não precisemos de tanto hidrogénio quanto inicialmente esperávamos”, refere a especialista em geociências.


Preço demasiado elevado

Muitos governos apoiam há muito tempo o desenvolvimento do hidrogénio verde para ajudar a descarbonizar a energia, os transportes e a indústria. O hidrogénio verde é produzido por electrólise, que divide a água em hidrogénio e oxigénio usando electricidade proveniente de fontes renováveis.

Países como a Austrália, Grã-Bretanha, Alemanha e Japão anunciaram estratégias de investimento ambiciosas com a expectativa de reduzir os custos para, dessa forma, criar um sector de hidrogénio verde lucrativo e que não precisasse mais de apoio.

No entanto, a produção continua a ser mais cara do que a do gás natural e outras alternativas baseadas em combustíveis fósseis, disse Minh Khoi Le, director de investigação de hidrogénio da Rystad Energy.

O hidrogénio verde é pelo menos três vezes mais caro do que o gás natural como combustível para a produção de energia, por exemplo, e duas vezes mais caro do que o hidrogénio cinzento, produzido a partir de gás natural ou carvão e que já é utilizado em indústrias como a refinação de petróleo e a produção de amoníaco e metanol.

Os custos podem cair 30% a 40% em dez a 15 anos se os preços dos equipamentos diminuírem e a cadeia de abastecimento mais ampla aumentar, acrescenta Minh Khoi Le. Já Emma Woodward, da Aurora, e Jun Sasamura, da Westwood Global Energy, consideram improvável que o hidrogénio verde se torne competitivo antes disso.

Apenas seis milhões de toneladas métricas por ano (mtpa) de capacidade de hidrogénio de baixo carbono − incluindo hidrogénio verde e azul, que é produzido a partir de gás mas o CO2 é capturado − estão em operação ou em construção globalmente, afirma a consultoria Wood Mackenzie.

O valor está bem abaixo das 450 mtpa que a consultoria afirma serem necessárias como parte do esforço global para atingir a neutralidade climática até 2050, ou seja, emissões líquidas zero de gases de efeito estufa. A União Europeia comprometeu-se a reduzir as emissões em 55% em relação aos níveis de 1990 até 2030, a caminho da meta de 2050.


“Suicídio económico”

A indústria contava com sectores como o siderúrgico, de refinação de petróleo, cimento e transportes entre os primeiros compradores, mas a procura esperada não se concretizou.

A empresa alemã Dirostahl, que fabrica componentes para turbinas eólicas, navios e tubos de perfuração de petróleo e gás, depende de fornos alimentados a gás natural e está à procura de uma alternativa. No entanto, o hidrogénio verde ainda é muito caro.

As ofertas para o combustível não ficam abaixo de 150 euros por megawatt-hora (MWh), enquanto o gás natural pode ser comprado por um valor entre 30 a 35 euros/MWh, diz o director executivo Roman Diederichs.

“Simplesmente não funciona. Pode não querer chamar-lhe suicídio económico, mas, na prática, seria exactamente isso. Ficaríamos completamente sem competitividade”, afirma Roman Diederichs.

Os preços continuam elevados devido ao alto custo dos electrolisadores necessários para a produção em grande escala, aos gargalos de infra-estrutura e ao aumento dos custos de energia resultantes das regras sobre o que constitui hidrogénio verde.

Reduzir ambições

Alguns países europeus reduziram as ambições. A Itália transferiu recentemente mais de 600 milhões de euros em fundos pós-pandemia do hidrogénio para o biometano. A França reduziu a meta de capacidade de electrólise de hidrogénio para 2030 em mais de 30% em Abril e Portugal cortou o objectivo de capacidade de electrólise em 45%.

No ano passado, o governo holandês fez cortes drásticos nos fundos que tinha originalmente reservado para projectos de hidrogénio verde e desenvolvimento de baterias, desviando o foco do fundo climático para a construção planeada de duas novas centrais nucleares.

Entretanto, vários intervenientes na Austrália reduziram ou retiraram-se de projectos, apesar dos mais de 8 mil milhões de dólares australianos (4,4 mil milhões de euros) de apoio governamental prometido.

Os projectos que estão a avançar também enfrentam atrasos. Os analistas da Rystad Energy estimam que 99% dos projectos no valor de 100 mil milhões de dólares australianos (56 mil milhões de euros) que tinham sido anunciados para os próximos cinco anos não conseguiram avançar para além da fase de conceito ou aprovação.

Dificuldades de infra-estrutura

Outro problema é que o hidrogénio é difícil de armazenar, pois requer tanques de alta pressão, temperaturas extremamente baixas e tende a vazar, tornando arriscado o transporte por gasodutos antigos enquanto se aguarda uma nova infra-estrutura.

A Espanha espera construir uma rede de hidrogénio de 2600 km e conectá-la a outro projecto − o elo transeuropeu H2Med − da região ibérica ao noroeste da Europa.

A rede espanhola deverá estar operacional por volta de 2030, mas são prováveis atrasos de dois ou três anos para uma infra-estrutura europeia mais ampla, disse Arturo Gonzalo, CEO da operadora espanhola de gás Enagas.

“A infra-estrutura não é algo que acontece quando o mercado já descolou; é algo que tem de acontecer para que o mercado descole”, diz Gonzalo.