Faz tempo desde que os sustos baratos perderam espaço nos filmes de horror. Se “Invocação do Mal“, franquia iniciada em 2013, arrecadou milhões com assombrações e bonecos endiabrados, os medos atuais costumam mirar o psicológico.
Movido por traumas geracionais, “Faça Ela Voltar”, que estreia nesta quinta (21), reforça uma tendência que ganhou mais atenção sob o controverso título de pós-terror. Cunhada em 2017 por Steve Rose, a categoria reúne obras que subvertem clichês e aproximam imagens aterrorizantes do cotidiano.
Saem de cena os “jump scares” —aparições e sons repentinos que fazem o espectador saltar da cadeira— e os seres horrendos concebidos pela imaginação.
Na época, os calafrios do crítico britânico surgiam de títulos como “A Bruxa“, que trocou os fantasmas pelas crenças de uma família do século 17. Quase dez anos depois, e também sob a bênção da produtora independente A24, o segundo longa de Danny Philippou e Michael Philippou se aproxima do conceito.
É o tipo de ideia que divide opiniões, e há quem denuncie preconceitos. Crítica e curadora voltada ao gênero, Tati Regis diz que o rótulo pode criar uma falsa hierarquia entre “filmes elevados” e exercícios mais tradicionais.
Na trama de “Faça Ela Voltar”, Andy e Piper perdem o pai e vão morar com a psicóloga Laura. Na companhia de Oliver, garoto misterioso que não se comunica, eles descobrem que a mãe adotiva está longe de superar a perda da própria filha. A mulher inicia rituais macabros e ninguém está a salvo.
O sobrenatural dá as caras em fitas VHS, em que a terapeuta revisa instruções, e a ameaça real surge do luto. “O terror pode existir mesmo se você estiver dessensibilizado. As dinâmicas humanas podem ser muito assustadoras, especialmente em situações baseadas na vida real. Há muitas outras formas de assustar a audiência além do choque”, afirma Danny.
Ele retoma a parceria com o irmão após o sucesso de “Fale Comigo“, terceira maior bilheteria da A24. O projeto anterior segue jovens festeiros que acham um novo lazer: rodadas de invocação em que são possuídos por segundos. O grupo grava a experiência com os celulares e trata a brincadeira como droga. Quando a moda perde a graça, os espíritos permanecem e passam a refletir conflitos internos.
A trama parece derivar da origem virtual dos irmãos. Foi em 2013, com a criação do canal “RackaRacka“, que os cineastas começaram a contar histórias. Eles se divertiam com esquetes de humor físico, e o horror aparecia em zumbis asquerosos, membros explosivos e litros de sangue falso.
Hoje, a dupla prioriza o drama dos personagens, ainda que a violência explícita siga presente. Entre o ritmo paciente das cenas e a fotografia cinzenta, as crianças são aquelas que mais se machucam.
“Talvez seja um modo de processar a infância. [Conflitos humanos] são a melhor forma de expressão. Você pode discutir assuntos incômodos ou assustadores de modo divertido. É uma forma segura de explorar temas perigosos, já que os eventos não precisam ser tão brutos quanto a realidade”, diz o diretor.
Durante a escrita de “Faça Ela Voltar”, os Philippou viram um primo perder o bebê de dois anos. Ao falar de simbolismos, Danny cita criaturas que representam doenças —o “Babadook“, por exemplo, é tido como metáfora para a depressão— e exemplares do “body horror” —agosto também trouxe “Juntos“, que aborda a dependência amorosa pela fusão grotesca de dois corpos.
Ele desconhecia o termo cunhado por Rose. “Admiro que existam vários subgêneros. Essa variedade pode agradar diversos públicos. Pessoalmente, prefiro contar histórias de possessão, mas não significa que eu odeio “jump scares”. Acho esse ‘pós-terror’ muito sofisticado para descrever nosso tipo de filme.”
O australiano não é o único realizador a franzir o nariz. Filho do ator que aterrorizou plateias em “Psicose“, Oz Perkins defende que muitos cineastas vem se esquecendo de entreter os espectadores. Popularizado por “Longlegs” —que mergulha na psique de uma investigadora de mortes sobrenaturais— ele falou à Folha sobre o seu “O Macaco“.
Estrelado por Theo James, o filme troca a atmosfera sombria do diretor —que deve ser retomada em “Keeper”, programado estrear em novembro— por execuções dignas do “RackaRacka”. O ator, por sua vez, vê o projeto como elo entre a diversão e temas como a mortalidade.
Sua descrição se aproxima das ideias de Leigh Whannell. Sem abandonar os sustos, este ano ele tornou o “Lobisomem” da Universal em reflexo do pós-pandemia e disse ao jornal que terror se tornou uma palavra suja. Não por acaso, em 2022, o próprio Rose se retratou e declarou o seu amor pelo gênero.
“O horror comercial aprendeu a se camuflar. Antes, não havia vergonha em ser direto, sangrento, cheio de sustos e vilões caricatos. Agora, até as grandes bilheterias buscam essa embalagem mais ‘respeitável’ para atrair públicos fora do nicho”, afirma Regis, que diz que o “pós-terror” desconsidera filmes antigos.
“Há uma preferência por inimigos subjetivos, que levam mais para o drama de ares incômodos. Isso não é um problema em si. O problema é quando isso vira uma tendência dominante e perdemos uma tradição visual, importante para obras como ‘O Exorcista’ ou ‘A Noite dos Mortos Vivos’, que usavam figuras concretas para falar de medos universais.”
Segundo ela, existiria uma tendência a desconsiderar obras como o indicado ao Oscar “A Substância” e os recentes “Pecadores” e “A Hora do Mal“, fenômenos da Warner, como filmes de terror.
Se o primeiro explodiu a bolha ao discutir o etarismo, houve quem classificasse o último como suspense e até comédia de humor ácido. O longa em questão costura tradições e estratégias modernas ao explorar o desaparecimento de um grupo de crianças.
Por outro lado, Regis elogia a diversidade que surge dessas transformações. Ela cita debates raciais propostos por Jordan Peele, por exemplo, e os recortes sociais, de gênero e sexualidade propostos por brasileiros como Juliana Rojas e Marco Dutra.
“É uma mudança muito positiva, mas que pode deixar certos filmes mais preocupados em ‘deixar uma mensagem’ do que em explorar as possibilidades visuais e sensoriais do terror.”
A manutenção dos lucros também trouxe ao gênero a lógica dos heróis da Marvel. Às vésperas de um quarto “Invocação do Mal”, previsto para setembro, é sintomático que os Philippou já tenham anunciado derivados de “Fale Comigo”.
O jeito é esperar por mais jovens desencantados, capazes de capturar fantasmas com smartphones.