Trabalhar a morte e o luto no cinema nunca é uma tarefa fácil. Fazê-lo de forma marcante e delicada é ainda mais complicado. É por isso – e muito mais – que A Natureza das Coisas Invisíveis, que marca a estreia da diretora Rafaela Camelo em longas, é um dos filmes mais sensíveis de 2025. A temática densa, que também inclui reflexões sobre aceitação e questões de gênero, se derrete em uma história sobre amor, amizade e espiritualidade sem nunca deixar que o peso destes temas se sobressaiam à jornada de amadurecimento de suas jovens protagonistas.

Antes de tudo, A Natureza das Coisas Invisíveis jamais se propõe a fazer um discurso de cartilha sobre os temas que aborda. Mesmo em seu primeiro longa, Camelo mostra maturidade na escolha da linguagem para mostrar como a dupla central do filme, as crianças Glória (Laura Brandão) e Sofia (Serena), absorve e compreende temas que os adultos relutam em discutir com elas. A curiosidade das pequenas é a mesma que todos tivémos um dia na infância, e a maneira de como abordar certos assuntos é a verdadeira pergunta a ser respondida, sem nunca ignorar a capacidade de compreensão das crianças.

No caso de Glória, a morte sempre esteve em seu entorno. Ela mesma sobrevivente de um transplante cardíaco, a jovem de 10 anos passa muito tempo no hospital onde sua mãe trabalha. Suas férias escolares se resumem a conversas com idosos em situação terminal, até que a aparição de Sofia, que chega no local após sua bisavó sofrer um acidente, as aproxima ao ponto de suas mães toparem que todas se mudem temporariamente para o sítio da família de Sofia.

Camelo, que também assina o longa, nunca perde a sensibilidade na hora de retratar a nova realidade de suas protagonistas. Sua câmera se mantém fixa na altura das duas para sempre transparecer que estamos vendo este mundo na ótica delas, com suas percepções, medos e inseguranças. Talvez por isso a revelação envolvendo o falecimento de um rapaz chamado Bento, até então nunca mostrado em tela, se torne tão surpreendente. Poucas obras trabalham com tanto esmero o tema de transição de gênero, e a inocência com a qual Glória e Sofia discutem isso é o verdadeiro apelo emocional do filme. No mundo de A Natureza das Coisas Invisíveis, as crianças aprendem com os adultos na mesma medida que os adultos aprendem com elas.

Na forma mais prática de descrevê-lo, A Natureza das Coisas Invisíveis é um filme de inquietações. Do luto da morte à espiritualidade, passando pela sororidade feminina e o culto aos costumes rurais, Camelo trabalha as questões de suas personagens com o interesse de alguém que, mesmo na vida adulta, ainda busca por respostas – ou ao menos tenta se aproximar delas. Nada ali está escrito em pedra, e essa subjetividade é abraçada pelo filme para que qualquer um possa ter, assim como as crianças, sua própria interpretação.

A simplicidade com a qual lida tantos temas densos torna A Natureza das Coisas Invisíveis um filme necessário. Talvez seja através dos olhos inocentes, porém cheios de curiosidade, das crianças que nós, adultos, possamos entender um pouco melhor a beleza – e a importância – dos pequenos encontros.

A Natureza das Coisas Invisíveis

País:
Brasil

Classificação:

LIVRE

Onde assistir: