“Na minha vida nunca vi nada assim, nunca pensei que o fogo pudesse ser assim, tão grande, tão forte”, diz à Lusa, através de contacto telefónico, o nepalês Subash, que viu a sua casa destruída por um fogo há cerca de duas semanas, em Zambujeira do Mar, Odemira.

Este é um dos concelhos que tem resistido ao despovoamento graças à fixação de imigrantes para o trabalho agrícola, como é o caso de Subash.

Em 2013, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), havia apenas 669 estrangeiros com residência, um número que passou para 3.197 em 2023 (um aumento de 377%), e que não inclui os pedidos pendentes, ainda por calcular.

Em abril, as autoridades estimavam em 1,6 milhões o número de estrangeiros em 2024, de acordo com Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), mas o relatório final ainda não foi publicado, pelo que os dados mais atuais, segmentados por concelho, são de 2023.

Quatrocentos quilómetros a norte, em Oliveira do Hospital – que tinha apenas 50 estrangeiros em 2013, 10 anos depois tinha 283, o que corresponde a um aumento de 466% -, o bangladeshiano Jewel sabe bem o que são os fogos. É sapador florestal e um dos que abre caminho ao trabalho dos bombeiros.

“É a loucura. Nunca paramos, não podemos parar, temos de proteger as pessoas”, afirma Jewel, que trabalha para uma empresa privada de gestão florestal.

“Nestes dias, o nosso trabalho é destruir as árvores e o mato, para proteger as casas”, explicou o sapador, contratado no Bangladesh há um ano para fazer este trabalho em Portugal.

Sana Gupta e a sua mulher vivem numa aldeia no interior da Guarda (56 estrangeiros em 2013 e 572 em 2023, um aumento de 920%) e nunca viram no seu Nepal nada comparável ao que lhes aconteceu há dois dias.

“Isto foi o terror. Aqui só vivem idosos, coitados. Nós abrimos a nossa casa aos nossos vizinhos e duas senhoras passaram aqui algumas horas, à espera que isto passasse”, recorda Sana, que está em Portugal há dois anos, um país que diz ser “especial, particularmente nas aldeias que são tão bonitas”.

Do fogo, Sana recorda a escuridão: “era de dia e parecia de noite. E depois ouvia-se um barulho forte. Mas os bombeiros ajudaram muito. Eles são impressionantes”.

Elogio destes já ouviu muitas vezes o brasileiro Márcio Christo, adjunto dos bombeiros voluntários de Pataias (Alcobaça, que tinha 90 estrangeiros em 2013 e 1.537 em 2023, um aumento de 1600%), que, desta vez, não foi ao norte.

Com 51 anos e a viver em Portugal desde 2002, Márcio entrou nos bombeiros em 2011, um percurso normal para quem, já no Brasil, estava muito ligado ao associativismo comunitário.

E foi em Portugal que conheceu a força do fogo: “É algo inexplicável, é um ser vivo, incompreensível algumas vezes, que devemos respeitar, porque faz geralmente o que quer”.

Foi um dos primeiros bombeiros a chegar ao início do incêndio que destruiu o Pinhal de Leiria, em 2017, perto da praia da Falca. “Não conseguimos segurá-lo”, lamenta.

Hoje, como elemento do comando, está mais de fora das operações, mas respeita a coragem de quem combate. “Quem está lá dentro sabe bem como é. É muito estranho, estamos cercados e temos uma mangueira de 25 de diâmetro e três mil litros de água para aquele mundo de chamas”.

O combate aos incêndios não é feito apenas por quem é bombeiro ou limpa as matas, mas corresponde a um esforço coletivo que inclui coisas tão simples como a logística.

O indiano Ganga Singh é dono de estabelecimentos de restauração em Oliveira do Hospital e colocou, estes dias, os seus 25 funcionários a distribuir refeições aos bombeiros.

“É a nossa obrigação. Não faço isto para agradar, mas porque todos temos que nos ajudar”, afirmou o empresário, que está em Portugal há nove anos e em Oliveira do Hospital há dois anos e meio.

“Tinha um restaurante em Coimbra, mas depois de ter ido à Serra da Estrela, fiquei apaixonado e vim para aqui porque não havia nada de parecido com ‘kebabs'”, explicou Ganga, que elogia os seus novos conterrâneos.

“As pessoas são todas muito simpáticas e acolhedoras. Senti-me em casa rapidamente”, diz.

Em declarações à Lusa, o presidente da Câmara de Oliveira do Hospital, José Francisco Rolo, recorda que o concelho tem uma grande “tradição de acolhimento de outras comunidades” e que, “hoje em dia, quando se quer mão de obra para trabalhar, é preciso ir buscar estrangeiros”.

“Entre os sapadores florestais, a maioria são estrangeiros, muitos do Indostão ou de África e trabalham bem. Não há portugueses para assegurar a agricultura, a silvicultura ou os serviços”, resumiu o autarca.

“Oliveira do Hospital tem uma tradição antiga de imigrantes de belgas, holandeses ou alemães. Hoje chegam outros, mas todas estas comunidades se mobilizam contra o fogo, que é o inimigo comum” e “aí não há nacionalidades”, há “compromisso e trabalho”.

“Não há diferença, vejo-os a defenderem os seus pertences e a sua floresta. Também entram em pânico como os portugueses e também procuram zonas de acolhimento seguro e aceitam as indicações das autoridades”, acrescentou José Francisco Rolo.

“Quando se reside numa aldeia, como a Aldeia das Dez ou o Avô [terras fustigadas pelas chamas], toda a comunidade se mobiliza para defender os seus pertences e a resistência e o trabalho da população têm sido heroicos”, afirmou o autarca, que critica o discurso contra os imigrantes, particularmente em zonas mais despovoadas.

Mas para a integração dos imigrantes não basta emprego, mas que o país de acolhimento lhes permita condições para viver. Isso ainda não acontece em Portugal com Jewel e Subash.

“Sem os meus filhos, eu estou aqui incompleto”, desabafou o sapador oriundo do Bangladesh. Mais a sul, o agricultor nepalês concorda.

Subash está há quatro anos em Portugal e não sabe quando pode ter consigo a sua família, que ficou no Nepal. “Eu sonho com esse dia, quero viver aqui e não é um incêndio que me vai impedir de estar cá”.