Eventualmente, todos os envolvidos poderiam ter evitado este encontro em terras otomanas, esta cimeira com vista para o Bósforo, uma pena, sendo Istambul uma cidade tão grandiosa. José Mourinho, no seu mind game reverso (ou mind game 2.0?), lamentou tropeçar no Benfica no caminho até à fase de liga da Champions, mas pelo menos a eliminatória vale uma viagem do Fenerbahçe a Lisboa, onde estão amigos e pastéis de Belém. E o Benfica, com um onze gritando controlo do adversário, mais do que olhos na baliza, começou o jogo já a pensar em casa, em chegar à 2.ª mão seguro para resolver a questão na Luz.

Em certa medida, toda a gente conseguiu os seus anseios. Toda a gente jogou em Istambul já a pensar em Lisboa. José Mourinho terá os seus pastéis de Belém, uma caixa de seis, como gulosamente desejou à reportagem do canal que transmitiu o encontro antes do mesmo. E Bruno Lage terá de manjar este Fenerbahçe dentro de portas, no quentinho de casa, entre o fôlego dos seus adeptos.

Um nulo, pois claro. Um risco que só daqui a uma semana saberemos se não terá sido demasiado calculado pelo Benfica, porque coisas acontecem – como jogar com 10 nos últimos 20 minutos, depois de uma expulsão pueril de Florentino. Procurando o encaixe de peças a meio-campo, Bruno Lage chamou o médio para o onze, onde esteve também Aktürkoğlu, numa espécie de pequena provocação às já de si sempre nervosas bancadas do Şükrü Saracoğlu. Ivanovic, desta vez, ficou no banco, com Pavlidis a fazer de único avançado na frente.

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E o primeiro objetivo de Lage foi, principalmente a jogar com 11, largamente conseguido: o Benfica permitiu pouco ao Fenerbahçe, fechado o perigoso jogo exterior da equipa de Mourinho e deixando Fred muito longe do jogo – mesmo a jogar em vantagem numérica, o perigo dos turcos foi sempre muito feito de repelões, decisões extemporâneas e falhas (poucas) do Benfica.

Só que, depois de manietado o adversário, o Benfica nunca conseguiu capitalizar os espaços, que existiram, amiúde, perante um Fenerbahçe que, na boa tradição turca, pouco ou nada quis saber de pressão, num jogo quase sempre esteticamente desinteressante, faltoso, nervoso, de duas equipas com demasiados pesadelos com cifrões a fugirem-lhe das mãos.

Mesmo com Enzo Barrenechea a aproveitar a presença de Florentino para se aventurar por terrenos mais adiantados, a ligação do Benfica continua emperrada. Não melhorou particularmente com o regresso ao sistema que tem sido mais comum neste início de época, com Ivanovic a juntar-se a Pavlidis a meio da 2.ª parte. Aktürkoğlu, assobiadíssimo, como se as vaias “normais” dos adeptos turcos já não fossem sinfonia suficiente, tentou combater o rancor com uma faca nos dentes e foram do turco alguns dos poucos lances de algum perigo do Benfica na 1.ª parte: aos 17’, arrancou pela esquerda, mas o cruzamento não encontrou resposta e à meia-hora, de livre, obrigou o guardião do Fener a trabalhos suplementares.

Pavlidis, mais só, não foi o elo eficaz do costume e Richard Ríos voltou a fazer um jogo frouxo. A saída de Enzo, para a entrada de Ivanovic, aos 63’, cortou qualquer réstia de criatividade ao ataque encarnado e a expulsão de Florentino fez o Benfica ligar, definitivamente, o modo sobrevivência. Há uma eliminatória para resolver em Lisboa, sempre houve, mas muito mais a partir daquele minuto 71’.

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Com um onze pejado de indivíduos com nome feito na modalidade, o Fenerbahçe tem as suas fragilidades como equipa. Perante um Benfica sólido, porém inofensivo, faltou o golpe de asa à equipa de Mourinho para virar a narrativa a seu favor. É certo que algumas das melhores armas, como a cabeça de En-Nesyri, foram bem agrilhoadas pelo Benfica, que teima em não sofrer golos esta temporada. A jogar em superioridade, a entrada de Talisca trouxe um repentismo que às vezes também é puro destrambelho, mas ainda assim foi do talentoso pé do brasileiro que saiu o maior calafrio sentido pelos encarnados: aos 80’, rematou de longe, com efeito, Trubin fez má abordagem ao lance e a bola sobrou para En-Nesyri. Na recarga, o marroquino estava em posição irregular e o Benfica suspirou.

Porque uma derrota em Istambul poderia muito bem iniciar uma necessidade de ida ao divã do Benfica, que vem de uma exibição pouco fulgurante frente ao Estela. Falta criatividade no último terço encarnado, na Turquia terá também faltado alguma coragem para assumir o que até José Mourinho é capaz de discernir: que este Benfica é favorito e tem mais armas para estar na fase de liga da Champions. De resto, este jogo em Istambul soou a perda de tempo: sem oportunidades, sem emoção, com incapacidade técnico-tática de um lado (o do Fener) e uma abordagem temerosa do outro. Tudo a pensar em Lisboa. E em Lisboa, quem quiser os milhões, não poderá repetir a receita.