Os factos

Primeiro, o mapa eleitoral. A assembleia legislativa do Texas, dominada pelo Partido Republicano, está por estes dias a tratar de aprovar um novo mapa dos 38 círculos uninominais que elegem os congressistas enviados de dois em dois anos para Washington. Desses 38, há 25 nas mãos dos republicanos. Ajustando as fronteiras de alguns círculos, o partido de Donald Trump poderá vir a tirar cinco mandatos ao Partido Democrata. 

Em jogo está a curtíssima maioria, por três assentos apenas, que o Partido Republicano tem na Câmara dos Representantes, e a capacidade que a Administração Trump tem de ver aprovadas as suas propostas de leis e orçamentos. As eleições intercalares de Novembro de 2026, quando toda a Câmara dos Representantes e um terço do Senado forem a votos, são por isso decisivas. Ou Trump continua a ter um Congresso que lhe dá carta-branca, ou passa a ter bloqueios no Capitólio e a sua agenda política começa a ser refreada.

No Texas recorre-se, uma vez mais, ao gerrymandering, um palavrão que junta um nome (o de Elbridgre Gerry, governador do Massachusetts entre 1810 e 1812) e a palavra salamandra. Gerry (que mais tarde foi vice-presidente dos EUA) foi o primeiro político norte-americano a aprovar um mapa eleitoral que, descaradamente, favorecia os seus aliados. Criou círculos uninominais de formato caricato (eram tudo menos círculos, e daí a referência à salamandra) para garantir que eram os seus eleitores que estavam sempre em maioria e que os dos seus rivais ficavam divididos pelas fronteiras e em minoria. 

Num país praticamente desenhado a regra e esquadro, a prática fez escola. O gerrymandering tem sido uma tentação recorrente para os dois grandes partidos quando se encontram numa situação de controlo dos governos e assembleias estaduais. 

Havia, contudo, uma convenção: refaziam-se os mapas só depois de cada censo, no início de cada década, sob o pretexto de fazer reflectir a evolução demográfica. E a iniciativa cabia aos estados, não ao Presidente. Trump quebrou também aqui as regras. Em Julho, desafiou os deputados do Texas a redesenhar o mapa, a cinco anos do próximo censo e a 15 meses das eleições intercalares. 

Depois de um protesto da bancada democrata, que chegou a fugir do Texas para travar a votação por falta de quórum, os deputados rebeldes voltaram a casa e nada travará a aprovação do novo mapa desenhado ao gosto dos republicanos (diluem-se, por exemplo, maiorias negras e hispânicas pró-democratas em cidades como Dallas e Houston, juntando-as a círculos rurais e brancos pró-republicanos). Mas os democratas deverão responder na mesma moeda: na Califórnia, possivelmente em Nova Iorque e noutros estados azuis. E terão provavelmente a contra-resposta republicana, incluindo nos decisivos estados da Florida e do Ohio. Está aberta a guerra dos mapas.

Agora, o voto por correspondência. A prática existe, de uma forma ou de outra, para todos os eleitores ou só para alguns (emigrantes, militares, idosos, doentes, reclusos) em mais de 100 países. E é bastante popular nos EUA, onde as eleições decorrem normalmente em dia de trabalho, e onde muitos votantes habitam comunidades remotas (o voto por correio é maioritário em vários estados do Oeste e no Alasca).

Trump diz que não, que só os EUA é que mantêm o voto postal e que todos os outros países desistiram do método por terem encontrado práticas fraudulentas generalizadas (é falso, e está aqui a Prova dos Factos). Esta segunda-feira escreveu na rede social Truth Social que vai agora “liderar um movimento” para proibi-lo, bem como as urnas electrónicas, apesar de a Constituição explicitar que essa é uma decisão de cada estado e não do Presidente e do Governo federal.

A análise

A pouco mais de um ano para umas eleições intercalares de importância tremenda, para os EUA e para o resto do mundo, as manobras das últimas semanas indiciam que poderá não ser o eleitor norte-americano a ter a palavra final pelo seu desfecho. As eleições disputam-se já por estes dias por quem tem o poder na mão, nas assembleias legislativas do Texas e da Califórnia, e sobretudo na Casa Branca.

O tabuleiro está inclinado. Se, na guerra dos mapas, o Partido Democrata tem a oportunidade de também ele jogar sujo, como admite abertamente o governador californiano Gavin Newsom, é Trump que tem à sua disposição o maior número de expedientes. Para além do seu ascendente sobre os governos e as legislaturas estaduais republicanas, sobre o Congresso e o Supremo, ou sobre parte crescente da comunicação social norte-americana e das empresas proprietárias das redes sociais, o constante recurso a leis de excepção e a declarações de crise tem-lhe permitindo o que era recentemente impensável, como a militarização de Washington e Los Angeles. 

Não é completamente previsível o resultado desta ofensiva em múltiplas frentes. O gerrymandering democrata pode até anular o republicano. A restrição do voto por correspondência poderá também penalizar parte importante do próprio eleitorado trumpista, como têm alertado responsáveis republicanos. E a governação de emergência em emergência, para a televisão e para a fotografia, não tem evitado a queda gradual de Trump nas sondagens. 

O perigo maior, contudo, está na continuada erosão da confiança nas instituições, todo um projecto que Trump tem executado desde a sua entrada, há uma década, no palco político dos EUA (e que tem, evidentemente, outros precursores e responsáveis). Podem os eleitores norte-americanos confiar num processo livre e justo em 2026? Serão os resultados respeitados? Haverá, no limite, eleições? Pode até acabar tudo bem, mas também pode terminar mal para todos. Até para Trump.