Um escândalo de fuga ao serviço militar em Taiwan, envolvendo, alegadamente, vários atores, influenciadores e músicos, está a colocar em causa as forças de conscrição e reserva da ilha, que um dia poderão ter de enfrentar uma eventual invasão chinesa.
O regime de serviço militar de Taiwan, que funciona em paralelo com o seu exército convencional, está a ser acusado de não preparar adequadamente os conscritos para uma guerra real – uma situação alarmante perante o crescimento de ameaças do seu vizinho gigante, a China.
Recentemente, as autoridades indiciaram 28 arguidos. Segundo os procuradores, entre 2016 e o início deste ano, uma rede de quatro pessoas ajudou 24 homens saudáveis a fugir ao recrutamento através da falsificação de diagnósticos de hipertensão, lucrando um total de 7,63 milhões de dólares taiwaneses (cerca de 232 mil euros).
Pelo menos 11 celebridades estão agora sob investigação.
Entre os arguidos está Darren Wang. O ator de 34 anos, que se tornou famoso em quase todos os países falantes de mandarim há uma década por interpretar o papel de galã juvenil na comédia romântica escolar Our Times, é acusado de ter pago 3,6 milhões de dólares taiwaneses (103 mil euros) por um diagnóstico falso de hipertensão.
Desde então, Darren Wang iniciou o serviço militar, obrigatório para homens entre os 19 e os 36 anos. A CNN tentou entrar em contacto com os representantes do ator, mas não obteve resposta.
O ator taiwanês Darren Wang a abandonar o departamento de polícia em Taipé, Taiwan, após ser libertado sob fiança a 18 de fevereiro de 2025 (VCG/AP/Arquivo)
O recurso a este tipo de técnicas para evitar o alistamento é visto, em grande parte, como um sinal de apatia em relação ao serviço militar, e não tanto por medo das dificuldades inerentes.
“O que afasta os conscritos não é o cansaço do treino, mas a sensação de perda de tempo”, explica Chieh Chung, investigador associado no Instituto de Pesquisa de Defesa Nacional e Segurança de Taiwan (NDSR), à CNN.
“A maior parte do tempo de serviço é dedicada a tarefas variadas e não relacionadas com o combate”, acrescenta.
Uma obrigação monótona
Em 1949, quando o governo nacionalista perdeu uma sangrenta guerra civil contra o insurgente Partido Comunista Chinês e fugiu para Taiwan, introduziu o serviço militar obrigatório na ilha, obrigando os homens elegíveis a servir dois anos no exército ou três anos na marinha, força aérea ou fuzileiros navais. O sistema, com algumas variações, permanece em vigor desde então – tal como as ambições de Pequim sobre a ilha, que o Partido Comunista reivindica como território seu, a ser tomado pela força, se necessário.
No entanto, o serviço militar tem sido encarado como tudo menos heroico. Os conscritos descrevem-no como monótono, desorganizado e frequentemente irrelevante para a guerra moderna: uma combinação de palestras em salas, horas de espera sem propósito e exercícios cerimoniais ultrapassados.
“Não só não vais aprender nada de útil, como vais disparar algumas balas, assistir a palestras, cortar relva, fazer turnos de guarda – todas as tarefas associadas a um exército cerimonial e polido”, explica Mike Hunzeker, antigo oficial dos Fuzileiros Navais dos EUA que já treinou unidades taiwanesas.
Alguns funcionários norte-americanos, que não estão autorizados a falar abertamente, alertam, de forma discreta, que as forças de reserva de Taiwan continuam a ser o ponto fraco da sua postura de defesa.
Um dos oficiais explica que existem milhões de conscritos “no papel”, mas que anos de serviço abreviado e treino mínimo de atualização os deixaram “mal preparados para a guerra moderna.”
Entrevistas anteriores da CNN com ex-conscritos revelam um cenário desanimador: espingardas com décadas de uso partilhadas entre unidades, treino com canhões e morteiros com pouca ou nenhuma munição real, e conscritos atribuídos a tarefas sem significado.
Embora não existam estimativas oficiais sobre o número de fugitivos ilegais ao alistamento, um balanço do ministério da Administração Interna mostra que, entre 2021 e 2023, os casos suspeitos de obstrução ao serviço militar aumentaram de 309 para 553.
“É imperativo reformar o serviço militar o mais rapidamente possível,” afirma Wu Tzu-li, investigador associado no INDSR. “Afinal, no fim das contas, o combate depende das pessoas que operam as armas e não apenas do armamento em si, por isso ter uma formação e educação sólidas é crucial.”
Militares de Taiwan realizam primeiro teste de lançamento real do sistema de foguetes HIMARS na base de Jiupeng, em Pingtung a 12 de maio de 2025 (Ann Wang/Reuters)
Tentativas de reforma
Até os líderes de Taiwan reconhecem o problema. Pouco depois de tomar posse em 2016, a ex-presidente Tsai Ing-wen apelou a uma reforma profunda, em vez de “tapar os problemas, desperdiçar recursos humanos e operar de forma ineficiente em tantas áreas diferentes.”
Em resposta às crescentes ameaças de segurança por parte de Pequim, que realizou pelo menos três exercícios militares de grande escala em torno de Taiwan no ano passado e tem enviado aviões de guerra, navios da marinha e guardas costeiros para perto da ilha quase diariamente – o governo de Taiwan aumentou o tempo de formação dos conscritos e introduziu reformas como mais exercícios com fogo real e uma ênfase maior em táticas modernas. A partir de janeiro de 2024, o período mínimo de serviço ativo foi aumentado para um ano, em comparação com os apenas quatro meses exigidos pela política anterior.
Estas mudanças parecem estar a dar frutos gradualmente. Alex Chang, um recente conscrito com cerca de 20 e poucos anos que falou com a CNN, observou que o treino se intensificou desde a extensão do serviço militar obrigatório. “O som de balas a disparar e granadas a explodir tem sido constante no campo de treino”, afirma.
A eficácia destas mudanças ainda está por provar. Críticos afirmam que, a menos que Taiwan reformule a forma como – e o que – os soldados aprendem, os jovens continuarão a encarar o alistamento como algo mais simbólico do que estratégico.
“O mais importante é o tipo de treino que será dado aos novos conscritos”, considera Chieh. “É essencial que não sintam que desperdiçaram um ano das suas vidas.”
Outro responsável norte-americano acrescentou que “Taiwan está a fazer bons progressos na melhoria do realismo do treino dos reservistas, mas ainda há trabalho a fazer no que diz respeito à atualização de equipamento e à reforma da organização das unidades de reserva.”
“Requalificar e equipar os reservistas existentes para operarem plataformas assimétricas, como drones e mísseis antiaéreos, terá um impacto desproporcional na capacidade de Taiwan para dissuadir conflitos”, considera.
Num comunicado à CNN, o ministério da Defesa afirmou: “O serviço militar é um dever cívico consagrado na constituição. Qualquer tentativa de fugir ao alistamento por qualquer meio deve ser condenada e sujeita a ações legais.”
O ministério acrescentou ainda que o novo período de treino alargado de um ano “permite que os conscritos passem por uma formação militar sistemática e abrangente, incluindo o alistamento, destacamento, especialização, treino de base e exercícios conjuntos – equipando-os com competências de combate essenciais e uma firme determinação de defender a nação.”
Os membros da banda de K-pop BTS, RM (à esquerda) e V, após concluírem o serviço militar obrigatório, em Chuncheon, Coreia do Sul, a 10 de junho de 2025 (Ahn Young-joon/AP)
Contraste coreano
Na vizinha Coreia do Sul – outro local marcado por uma longa hostilidade com o vizinho mais próximo – o serviço militar é levado muito mais a sério, e a contagem decrescente até as grandes celebridades interromperem as suas carreiras para vestir o uniforme militar tornou-se quase um passatempo nacional.
Em vez de manchar reputações, o serviço militar é frequentemente visto como um sinal de integridade e patriotismo entre grandes estrelas – uma impressão que pode até reforçar as suas carreiras depois de deixarem o uniforme.
Recentemente, as superestrelas do K-pop RM e V, da banda BTS, foram os mais recentes conscritos de alto perfil a serem dispensados do serviço militar. Ambos prestaram continência ao serem libertados do serviço na cidade de Chuncheon, após cerca de 18 meses de serviço ativo, perante os aplausos de cerca de 200 fãs – alguns dos quais viajaram do México, Turquia e Brasil.
Os outros cinco membros do grupo já cumpriram ou vão cumprir o serviço obrigatório, e a banda espera reunir-se nos próximos 12 meses.
Até o astro do futebol Son Heung-min, que evitou o alistamento graças a uma isenção depois de conquistar o ouro nos Jogos Asiáticos de 2018 com a seleção sul-coreana, fez quatro semanas de treino militar básico.
Para que Taiwan recupere a confiança no sistema de conscrição, analistas militares dizem que será necessário reduzir lacunas legais, melhorar o ensino e modernizar o treino para refletir ameaças reais – especialmente à medida que as tensões com Pequim se intensificam. Também será necessário, afirmam, uma mudança cultural: uma que valorize o serviço não como simbolismo vazio, mas como preparação para uma eventual luta.
No entanto, tudo depende de se as reformas recentes vão realmente enraizar-se.
“O receio”, explica um ex-conscrito, “é que o novo sistema acabe por ser igual ao antigo – apenas mais longo.”