O degelo do gelo marinho do Árctico registou uma desaceleração temporária nas últimas duas décadas, um fenómeno que surpreendeu a comunidade científica, especialmente num período de aquecimento global recorde. Esta pausa, no entanto, resultará provavelmente de um fenómeno de “variabilidade climática interna”, ou seja, de variações naturais que ocorrem devido a interacções entre os componentes do sistema terrestre que têm compensado a perda de gelo. Será, por isso, apenas uma pausa temporária, que apenas mascara, mas não anula, a tendência de longo prazo de aquecimento global impulsionado pela acção humana.

A investigação, publicada na revista científica Geophysical Research Letters, recorreu a dois conjuntos de dados diferentes sobre a extensão do gelo marinho do Árctico, desde 1979 até aos dias de hoje, analisando a área de gelo marinho para cada mês do ano. A desaceleração foi observada em todos os casos.

Os dados de satélite revelam que, entre 2005 e 2024, a perda de gelo marinho em Setembro, o mês em que a cobertura de gelo atinge o seu mínimo anual, diminuiu para 0,35 e 0,29 milhões de quilómetros quadrados por década, dependendo do conjunto de dados utilizado.

Este valor representa uma redução de 55% a 63% em comparação com a taxa de declínio a longo prazo de 0,78 a 0,79 milhões de quilómetros quadrados por década observada entre 1979 e 2024. Este é o ritmo de perda mais lento registado em qualquer período de 20 anos desde o início dos registos de satélite, em 1979, sendo quatro a cinco vezes mais lento do que o pico observado entre 1993 e 2012.

A desaceleração também foi evidente na medição do volume de gelo perdido, que entre 2010 e 2024 foi de 0,4 milhões de quilómetros cúbicos​ por década, sete vezes menor do que a perda a longo prazo de 2,9 milhões de quilómetros cúbicos​ por década no período de 1979 a 2024. Esta diminuição da taxa de perda foi observada em todos os meses do ano, não se limitando aos meses de Verão ou Inverno.

Acredita-se que flutuações ao longo das décadas nas correntes dos oceanos Atlântico e Pacífico, que alteram a quantidade de água aquecida que flui para o Árctico, desempenharam um papel importante nesta tendência.


Variabilidade natural

O investigador Mark England, que liderou o estudo na Universidade de Exeter, no Reino Unido​, afirma que, embora seja surpreendente encontrar uma desaceleração no degelo, esta é uma possibilidade consistente com as simulações feitas por modelação climática e “deve-se provavelmente à variabilidade climática natural sobreposta à tendência de longo prazo impulsionada pelo ser humano”, refere um comunicado da instituição.

O investigador, que entretanto passou a trabalhar na Universidade da Califórnia em Irvine, nos EUA, compara a situação a uma bola a descer uma colina (leia-se “alterações climáticas”) que, ao bater em obstáculos, pode temporariamente ressaltar para cima ou para o lado, mas o percurso geral continuará a ser para baixo.

A investigadora Julienne Stroeve, especialista em Observação e Modelagem Polar da University College London, nota que fenómenos de “variabilidade climática interna” já são conhecidos e foram descritos em estudos anteriores.

“Não é surpreendente que a extensão mínima em Setembro não tenha mudado muito na última década, pois sabemos que os registos climáticos, sejam eles de temperaturas globais ou de gelo marinho, podem permanecer os mesmos por vários anos consecutivos como resultado da variabilidade climática interna”, explica a investigadora, citada pelo Science Media Center, plataforma que recolhe opiniões de especialistas sobre os estudos científicos mais noticiados.

A taxa de aumento da temperatura global da superfície também diminuiu no passado, antes de retomar um aumento rápido, como recorda a notícia do jornal britânico The Guardian. Em 1998, por exemplo, a ocorrência de um fenómeno El Niño particularmente intenso seguiu-se de uma década ou mais de temperaturas globais sem aumentos expressivos, um período que foi mesmo apelidado de “a pausa”. No entanto, recorda o jornal, o planeta continuou a acumular calor durante todo esse período e, desde então, as temperaturas globais aumentaram rapidamente.

A crise climática impulsionada pela acção humana​ continua a ser “inequivocamente real”, referem os cientistas, e a urgência para a acção climática mantém-se inalterada.

Calmaria antes da tempestade

Os cientistas enfatizam que esta desaceleração não representa uma recuperação. As projecções indicam que esta desaceleração poderá persistir por mais cinco a dez anos, mas quando terminar, é provável que seja seguida por um declínio mais rápido do que a média. Os modelos sugerem que o ritmo de perda de gelo poderá ser 0,6 milhões de quilómetros quadrados​ por década mais rápido do que o declínio de longo prazo.

Mark England recorda que há cerca de 15 anos, quando a perda de gelo marinho estava a acelerar, já se falava sobre “um Árctico sem gelo até 2020”, mas a variabilidade natural acabou por cancelar em grande parte a perda de gelo marinho. “Isto deu-nos um pouco mais de tempo, mas é uma trégua temporária – quando acabar, não serão boas notícias.”

Olhando para a tendência de longo prazo, a área de gelo marinho em Setembro já reduziu para metade desde 1979, e a cobertura de gelo de Verão está pelo menos 33% abaixo do que estava há quase 50 anos. O Árctico continua a aquecer a um ritmo até quatro vezes superior ao resto do planeta, e espera-se que venha a registar condições sem gelo mais tarde no século, com sérias consequências para o ecossistema e para o aquecimento global.

Esta desaceleração não deve ser vista como uma boa notícia que proporciona mais tempo para a acção climática, reforça também a física ​Gaëlle Veyssière, especialista em gelo marinho e neve do British Antarctic Survey, que descreve o fenómeno como como um “breve intervalo numa tempestade, não a passagem da tempestade”.