O frio e os vírus respiratórios, no Inverno, e as temperaturas elevadas, no Verão, têm estado associados a períodos de excesso de mortalidade, que, de forma mais ou menos acentuada, se vão repetindo. Ter casas adaptadas à temperatura pode ajudar a minimizar os efeitos sobre a saúde. A chamada “pobreza energética” define-se como a falta de acesso a serviços energéticos essenciais, como aquecimento, água quente, arrefecimento e iluminação adequados.

Portugal foi, em 2023, o Estado-membro da União Europeia com a percentagem mais elevada de pobreza energética. O Governo aprovou, no final desse ano, a Estratégia de Longo Prazo de Combate à Pobreza Energética. Duas das metas para 2050 são reduzir a população a viver em agregados sem capacidade para manter a casa adequadamente aquecida para menos de 1% e a população a viver em habitações não confortavelmente frescas durante o Verão para menos de 5%. Ambas têm metas intermédias para 2030 e 2040.

No início deste ano, o Ministério do Ambiente e Energia anunciou que ia reforçar o Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis 2023 com mais 60 milhões para pagamento de candidaturas que já tinham sido apresentadas. Esta iniciativa, que já terminou, financiava a 85% a substituição de janelas, a instalação de painéis fotovoltaicos e isolamentos de base natural, entre outras medidas.

A 30 de Setembro entram em vigor duas outras iniciativas que funcionarão em paralelo: uma para a substituição de fornos, fogões e esquentadores (o E-Lar) e outra – o Programa Bairros + Sustentáveis – direccionada a edifícios localizados em bairros históricos e mais vulneráveis para obras de isolamento e melhoria da electrificação. No próximo ano entrará em vigor o Fundo Social para o Clima, também direccionado a combater a pobreza energética, que para Portugal tem designado um valor de 1600 milhões de euros. O plano nacional, para a execução deste fundo, está em consulta pública para identificação das necessidades.

Questionado sobre as condições das habitações, o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, Bernardo Gomes, diz que as questões “vão estar inevitavelmente ligadas a muitas componentes da saúde” e “há pessoas que têm casas que não estão preparadas” para fenómenos como as ondas de calor. “Temos evidência de que basta um par de horas de exposição a ar condicionado para termos aqui um factor protector, nomeadamente em alturas de maior calor”, diz.

O responsável refere que a questão do urbanismo “é um exemplo clássico da saúde em todas as políticas”. “Tudo o que diz respeito às políticas fiscais da habitação, ao acesso à habitação, à reabilitação e também à questão dos aparelhos de ar condicionado e à necessidade de refrigeração tem impacto na saúde. São coisas em que temos de ter a participação de políticas a nível nacional e a nível autárquico”, defende, salientando a “maior atenção mediática e científica” que se está a dar à questão das ilhas de calor nas zonas urbanas e aos fenómenos climáticos.

Sobre medidas preventivas que se podem tomar, o presidente da ANMSP afirma que “existem coisas que podem ser feitas”, como “espaços verdes protectores” e de “planeamento de abrigos”. Mas também “em termos fiscais e de incentivos” no que diz respeito à reabilitação e construção de habitação, pois prevê-se “um agravamento, nos próximos anos, da frequência e da extensão destes fenómenos extremos”, até que haja uma estabilização.

Num artigo publicado na revista científica Nature Medicine, em Janeiro, um grupo de investigadores procurou perceber como a crise climática vai alterar o equilíbrio entre a mortalidade relacionada com o calor e a associada ao frio em mais de 800 cidades europeias. Concluíram que se, por um lado, a subida dos termómetros globais pode fazer diminuir a mortalidade relacionada com o frio extremo, por outro, contribui para o aumento de mortes adicionais durante ondas de calor.

O médico lembra que, com a evolução da temperatura, existirão outros fenómenos com impacto na saúde, como a poluição, a presença de vectores e a transmissão de novas doenças. “Isto vai exigir um esforço de coordenação”, diz, lembrando também os efeitos das alterações climáticas na agricultura. “É algo para o qual temos de olhar com racionalidade e perceber, nos mais diversos níveis, o que podemos fazer.”

Nota: notícia actualizada com a informação de que o Programa de Apoio a Edifícios Mais Sustentáveis 2023 já terminou e de iniciativas que vão arrancar a 30 de Setembro.