A conversa de Carlos Ribeiro com o Azul decorre enquanto este cientista e bombeiro está num centro de coordenação de incêndio em Sátão, distrito da Guarda. Somos interrompidos várias vezes por comunicações sobre a situação do terreno, sobre as quais tem de tomar decisões. Enquanto isso, o investigador do Centro de Estudos Florestais da Universidade de Coimbra vai deixando vários alertas.

“Temos de ter noção de que os grandes incêndios começaram a sair fora de época”, afirma, já a olhar para os próximos meses. “Esta é uma alteração que os decisores políticos também têm de ter em conta.”

É preciso também apostar na acção urgente logo depois de um fogo na terra queimada, para evitar, por exemplo, que as cinzas deslizem e contaminem as linhas de água. Deixa ainda um aviso e um desabafo: “Pedrógão está neste momento muito mais vulnerável do que estava antes do incêndio.”​

Temos o território desordenado e o clima, que são difíceis de controlar. Qual é o papel das escolhas dos decisores?
Dou-lhe um exemplo sobre áreas que arderam em 2013 e que até à data ainda não arderam, mas onde nada foi feito. Por exemplo, Pedrógão. Nada foi feito. Pedrógão Grande está neste momento muito mais vulnerável do que estava antes do incêndio.

Por causa do combustível que acumulou?
Sim. Outro exemplo: o caso do eucalipto. Atenção, não considero que haja uma espécie pior do que outra. Mas temos espécies florestais que são mais pirófilas, isto é, espécies que gostam mais do fogo. Há espécies que após um incêndio serão as primeiras a regenerar-se e a dominar o território. Temos de identificar estes casos e agir. Mas, muitas vezes, a decisão política não acompanha a decisão técnica. E aqui é que está um grave problema. Mais um caso concreto: o município Moimenta da Beira. Pediu-me para fazer um plano de fogo controlado. Eu fiz. O que aconteceu?

Não foi executado.
Não foi executado. Nem sequer foram aprovadas áreas na reunião do plano da defesa da floresta contra incêndios. E a área toda que ardeu agora… Noventa por cento do plano era naquela zona, em que já deveria ter sido executado.

Ou seja, houve uma decisão técnica, mas faltou a decisão política.
Sim, faltou tomar essa decisão. Talvez por falta de recursos, não sei, não encontro uma justificação. O certo é que não foi executado.

Mas 90% da área que ardeu agora estava dentro desse perímetro?
Estava dentro do plano. A grande maioria das áreas era naquela zona que eu tinha identificado.

Há escolhas humanas que podem minimizar desastres. Mas qual é a culpa do clima?
O clima ajuda ao processo. E as duas coisas estão directamente relacionadas, porque quanto mais alterações climáticas houver, mais gravosos vão ser os incêndios no futuro. Há três semanas, durante os primeiros incêndios de Vila Real, alertei que os piores dias ainda estavam para vir. E é um facto que as alterações climáticas aumentam a frequência e a intensidade de condições meteorológicas extremas, e que depois favorecem os incêndios.

Temos a fogueira perfeita?
Temos tudo, os factores estão todos alinhados e o combustível torna-se cada vez mais inflamável, temos os combustíveis finos mortos, que ajudam à propagação do fogo, mas temos também os combustíveis vivos, que por estarem ainda mais secos, ajudam a tornar os matos e a floresta altamente inflamáveis. Por um lado, a probabilidade de ignição é muito alta, e por outro, a velocidade do fogo e a intensidade são muito fortes e estão fora da nossa capacidade. Quando o fogo encontra o tal combustível e o tal desordenamento do território, estão criadas as condições ideais para evoluir para um comportamento extremo. E não há capacidade de ninguém o parar, até que surjam as condições meteorológicas adequadas.

E a noite…
Quando estes grandes incêndios surgem nestas zonas, podemos ter um combate mais eficaz durante o período nocturno, mas há semanas em que o período nocturno tem humidades na ordem dos 30% a 40%. Essa humidade relativa do ar não chega, o combustível não ganha humidade para retardar o fogo.

A tendência é piorar?
As alterações climáticas vão agravar ainda mais isto, mas também estão a aumentar cada vez mais Quanto mais incêndios tivermos e mais dióxido de carbono e outras partículas libertarem para a atmosfera por causa deles, mais vamos afectar o clima e as condições meteorológicas no futuro. Normalmente, [o período pior] no ano dura cerca de 15 dias.

Então acha que o desastre está perto do fim?
Não quero estar a arriscar nisso. Podemos ainda vir a ter os incêndios de Setembro e Outubro, que às vezes são mais gravosos do que estes, porque a seca prolongada vai agravá-los. Mas a realidade é que com as alterações climáticas vamos deixar de ter só uma época de fogos.

Temos de ter noção de que os grandes incêndios começaram a sair fora de época. Já não é só em Julho, Agosto e Setembro. Esta é uma alteração que os decisores políticos também têm de ter em conta, porque temos de ter um sistema anual reforçado quando as condições meteorológicas são mais gravosas fora do período normal de incêndio.